quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Tramas

- Como faremos para que ele não nos veja?

- Relaxe... A essa hora, o máximo que ele consegue é se virar para o lado. Não acorda mais.
- Ainda assim é perigoso, você confia demais na sorte...
- Já te disse, venha comigo, dê a mão aqui... Faz tempo que você não vem pra cá... Estava com saudades.

O diálogo construía-se pé ante pé. A voz, quase a sumir, servia apenas para corroborar um movimento de lábios mais que suficiente. Os gestos diziam o que o coração preferia esconder. Como sentiu falta dele! Todo esse tempo e ela não conseguia esquecê-lo um só dia! E agora estava ele ali. Parecia mais forte, mais saudável. A sua presença preenchia um vazio de há muito.

- Eu ainda te amo, apesar de ter me abandonado, nunca te amei tanto.

Sua ausência era seu charme.

- Silêncio! Se ele acordar estamos fudidos!
- Já disse que ele não acorda. Fica tranqüilo.
- O que você pretende?
- Diga você! É idéia sua...
- Antes tire essa camisa, veja só: ensopada de suor.
- Não havia ar condicionado no ônibus... E ele? Não mudou nada!
- O mesmo mané de sempre. E eu não largo...
- Você não consegue mais... Tem certeza de que isso não é arriscado?
- Se você perguntar novamente sou capaz de desistir...
- Não, não.

Sem que o tal mané soubesse, sua esposa tramava, praticamente aos seus pés. Tramava com aquele que durante tanto tempo, e nada secretamente, dividiu o coração dela. E ainda dividia, se é que não o tomava de arrasto! Estranha fixação das mulheres nos amores antigos. Justo ela, que jurara jamais tornar a dirigir-lhe a palavra, desde o dia em que ele, num rebentando de juventude, a deixou. E agora ali, os dois, ao pé do mané, como prontos a atacá-lo. Ela segurava a faca na mão esquerda. Ele, ainda com aquele rosto jovial que o marcava tanto, não mais voltaria atrás, e mesmo sabendo que seu pai jamais aprovaria... acendeu a luz!

- Parabéns pra você, nessa data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida... E pro Manuel nada?
- Tudo...

Enquanto sua esposa cortava o bolo, Manuel esfregava os olhos... E, numa mistura de surpresa e alegria, disse apenas:

- Filho! Você voltou... Que merda! Odeio festa surpresa, e odeio ser acordado...

E se riram.

8 Resposta(s):

Anônimo disse...

wow o.O ainda to meio atordoada, mas isso foi uma bela quebra de expectativa...

Anônimo disse...

em sua aula vc me exemplificou o anti-climax com alguma historia... poderia muito bem ter sido esta.

Zé(d's) disse...

seria muita pretensão explicar literatura usando coisa própria! Porra, eu usei Dalton Trevisan! Do que você está reclamando?

Anônimo disse...

se é pra usar coisa própria vou ser professora de educação sexual...

Zé(d's) disse...

hahahahaha...

(ciúme)

Anônimo disse...

Achei que era outra coisa.
Mas não foi pelo fim...
Foi pelo começo.
If you know what I mean.

Heyk disse...

essa historinha de é mais um é além de jogo de adivinhação tá virando sinônimo de zé.

Zé(d's) disse...

a gente usa esses artifícios quando não sabe escrever...

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