Viver é passar. É, seu moço. Minha história vai cambaleando, cambaleando, devagar descendo, devagar descendo... E quando estiver descida de todo, eu decido dar fim, seu moço. As formigas trabalhando e minha vida não faz sentido. Aeromoça viajando e minha vida não faz sentido. "José" bebendo na esquina e minha vida não faz sentido, seu moço. Se eu bebo, se eu viajo, se eu trabalho, seu moço, é pra dizer lá em casa que não ando à toa. E eu ando, seu moço. Dizem que esse negócio de eu falar com coisa é porque tô ficando doido. E o senhor é coisa. Mas me diga, seu moço: faz sentido fazer miséria assim de um pobre lacaio como eu? Faz sentido, seu moço? Miséria? Responde não, seu moço. Eu queria acordar longe da vida, passear na estrada longe da vida. Longe da vida, em boa hora, cruz na linha da mão, resposta confusa, rádio, porta e farol, seu moço. Minha crise ia ter desculpa. Me desculpe, mas tem desculpa , seu moço? Tem não, seu moço. Minha vida ia ser estúpida, mas eu ia me dar muito bem com isso. Porque no fundo, seu moço, nós somos todos estúpidos. A vida é música ruim, seu moço. Música de igreja mesmo. Ruim. O senhor me perdoe, mas hoje eu tô triste por demais. Minha filha amanheceu com saúde, mas continua com aquele negócio de que não gosto dela. Faz razão, seu moço? Faz não, seu moço. Eu amo aquela menina. Não fosse ela ainda tá sendo gente, eu já teria me matado. O problema é que a gente não se conforma. Outro dia mesmo eu apaguei a vela com cuspe. Eu sabia que não queimava o dedo. Mas eu não tinha nada pra fazer, seu moço. O senhor tinha? Tinha não, seu moço. O senhor sabe como é. A vida é não ter nada pra fazer. Nada do que a gente gosta. Deixa explicar. Eu, por mim, continuava desinventando as coisas. Eu ia pôr cauda de cometa em cachorro cotoco, seu moço. Eu ia se me deixassem. Eu ia dar uma mão pra João-sem-braço. O senhor ri, né seu moço? O senhor acha engraçado. É porque o senhor existe do jeito bom. Eu não, seu moço. Minha existida tá cada vez pior. Eu tô desistindo de existir. Eu desistia se me deixassem. Mas a vida passa, uma hora ou outra. Viver é passar? É sim, seu moço...
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Lerdo me trouxe essa história de Ilhéus, quando esteve por lá comprando tempero baiano para contos picantes, os quais não sei se contarei. Diz ele que a ouviu de um senhor que, dizem por lá, conversa com máquinas. E o Lerdo (e curioso) quis saber sobre a vida dele. O nome do senhor é Jorge. Dizem que por lá todo mundo o ama bem, e a alma dele vai viver nas gentes...
1 Resposta(s):
veja, pra testar e tal.
;*
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