sábado, 4 de agosto de 2007

"Sozinho" (para relembrar)

O sol acabara de se pôr. Eu, para variar, escolho um bar mais afastado de casa. Anseio algo diferente. Caras novas. Um atendente se aproxima, descobrindo um cliente novo. Gentil como se deve ser em casos assim. Peço uma cerveja. Não demora nada. Começo a rabiscar frivolidades num papel. Quem sabe um novo poema não me venha, um esboço de crônica. Já não se paga tão bem aos que vivem de escrever. Mas como não sei – e não quero – fazer outra coisa, continuo. Um gaitista sola triste, numa mesa próxima à minha. O bar ainda está vazio. Pergunto se é sempre assim, o mesmo atendente explica: “daqui a pouco isso aqui tá lotado, moço. O happy-hour daqui é famoso”. Peço desculpas pela ignorância e o dispenso. Chega um rapaz. Corpo franzino. Senta-se sozinho no balcão. Cumprimenta o barman e pede algo para beber.

Já é noite escura. Dessa mesa, o pouco que vejo é seu corpo minguado atirar para o lado que aponta. Por quê? Que estranha é essa necessidade de se ter alguém? Embebido em promiscuidade e carinhos passageiros. Uma garota se aproxima. Sozinha. Ele oferece uma cadeira. Um copo. Aproxima a boca feia do ouvido. A cena é ridícula. Não pelo que diz. Não escuto. Mas pelo rosto enfadado da moça. E pela diferença quase cômica de altura. Se recostasse um pouco mais, julgaria por miopia que um filho quer a atenção da mãe. E não deixa de sê-lo. Pelo menos assim parece. Um ser pequeno e solitário. Como o são quase todos os que, desprovidos de qualidades físicas, apelam a uma retórica de conquista. Que não funciona, pois não domina.

Troveja alto. Esqueço a cena por um momento, embora com olhos fixos para aquele lado. Peço outra cerveja. Esboço um retrato no guardanapo. Não sei se por cansaço ou falta de interesse. Certo é que congelo a cena e tento expressá-la em traços leves, ruins na verdade. Sou atrapalhado pelo constante balançar do corpinho desesperado. E pelo recostar-se, fugir, da garota. Acuada a um canto que parece único. O que ela ainda faz ali, desconfortável? Não é como andar na chuva – e agora chove fino – em uma rua larga e sem cobertura. Quero levantar-me. Não para o aparte. O que me constrange e agora aflige é que a infeliz não some. Não arreda. Dá esperanças que não existem a um garoto que dela necessita, ao que parece. Queria não estar aqui. Mas não posso lutar contra a vontade de saber o desfecho. Talvez para um dia poder contar a história inteira. Aquele rosto de desprezo. Aquele rosto...

A chuva aumenta, não posso mais sair, ou não quero. Peço algo para comer. Outra cerveja. A luta continua. A moça não muda. O rapaz, esse sim, parece tentar outra coisa. Afasta o corpo. Pede duas bebidas. Bebe rápido. Parece comigo, quando as palavras faltam e vou ariscar-me na embriaguês. “Parece comigo”. É quando isso me vem à cabeça que percebo toda a atração da cena. Vejo-me de fora. Vejo-me naquele eterno sussurrar infrutífero de sempre, de quem não sabe o que faz. Começo a reparar mais na moça, já que do rapaz adivinho todos os atos. A cara de enfado aos poucos se dissipa. Ela começa a falar. Agora é ele quem não reage. Gestos amplos, sorrisos e goles. Dialogam enfim, o clima é ameno. E aquele ímpeto inicial? Onde estará?

A chuva diminui, percebo. Ele pede a conta e paga tudo. Ela não esboça qualquer reação contrária ao gesto, parecia antevê-lo. De repente se levantam. Sorriem, dão-se as mãos e saem, sem nada dizer. Pude ouvir uma risada espontânea já na porta. Com certeza o rapaz pensa que conseguiu, enfim. Mas aquilo me incomoda ainda. O que terá ele dito? Feito? Como foi que se deu? Dirijo-me ao balcão. Chamo o barman que os atendia. Questiono: “conhece aquele dois?”, “sim, casados, vem sempre aqui”, “discutiam?”, “besteiras, coisas do trabalho deles, sempre passam aqui antes de ir pra casa”. E foi como se o meu dia piorasse. A chuva acaba. Reconheço que o problema está em mim. Eu sempre junto à minha solidão. Pago a conta e saio pensando: “sou mesmo um idiota”.

6 Resposta(s):

Anônimo disse...

Acho que vou passar um tempo lendo seus textos, se incomoda?
Gostei muito =)

Zé(d's) disse...

de maneira alguma

Heyk disse...

É por se espelhar de mais. Sabe como, né? A gente é tão engraçado e sabe tão pouco, ainda mais ou pseudo antropólos, que sempre tenta analisar pela identificação, quando, na verdade, a probabilidade do cara pensar como vc, ainda mais à distância, ainda mais sem ter relação nenhuma contigo, é quase improvável.
E seguimos, chutando e errando sempre, pra ver se numa hora dessa a gente acerta e fala, viu?! Eu sabia!

Cris Santana disse...

Vim atraída pelo: aguarde novidades! E saio pensando se serão as letras a controlarem o álcool ou este a inspirar aquelas...

Zé(d's) disse...

a cris é um anjo!

Ligia Calina disse...

Este texto me dá sempre uma agonia estranha, sei lá, parece que você estava tão imensamente triste...

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