terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Desassossego

Este texto é impublicável, uma ofensa, qualquer coisa, não há flores para homenageá-lo. A sua ausência de nexo explica-se. Mas não é o autor quem fará isso. Seu autor é a tal ponto incoerente que ele (o texto) tende a afastar-se. A miséria assola o escrito e o escritor. Ambos parecem ter o mesmo destino traçado. Um sofre pela ausência da lógica extra corpórea, pela derrocada de um mundo que nunca teve padrões, mas pareceu confortável por algum tempo. O outro sofre da falência do primeiro, que nasceu falido e descobriu-se assim no meio da vida. O escritor falseia, a mão vacila e nasce uma "história nenhuma". Que é a vida senão uma "história nenhuma"? A superação de um "não ser nada" posto acordado lá pelo meio da própria vivência? Quando se descobre que a vida faz menos sentido do que deveria, resta andar de mãos dadas, com outro sonhador menos empolgado, mas ainda lúcido. Este texto é imperdoável. Sua paciência esgota-se e ele (o texto) ainda caminha torto. A culpa jamais foi do escritor, ou do escrito. A culpa é querer-se dar coerência à mais absurda criação: a vida. Nessas horas vale algo ser culpado e criminoso, faz da vida uma aventura anti-leis, os "desvarios". Que é a lei senão "desvarios coletivos". E é assim loucos que negamos a loucura alheia. Perdoem por favor o artista, ele já bebeu a mesma insanidade do mundo. Nesse momento, o autor do texto já não pensa. A mão corre pelas teclas, a cabeça (perdida de há muito) dá os primeiros sinais de não saber exatamente o que fazer com a vida e as leis. Ela é como o texto, incoerente. Mas o que é a incoerência senão "vida" e "leis"? E que lei absurda é essa que nos garante, ao nascer, a certeza de que não poderemos viver para sempre? Esse texto é impugnável. Não deseja nada além da chance de existir. Como uma nova vida, num mundo de não-vidas. Não há o que refutar pois que não há regras. As leis se foram junto ao menor tino. É estranho: são loucas e lúcidas as leis, como é a vida, e a morte. Na verdade, se resta algo a dizer, o autor gostaria de não dizer nada. Não há palavras diante do absurdo. Diante dele abrimos a boca, pasmos, e desejamos não fazer parte da cadeia de incoerências que se chama "lei", a vida. Mas o texto luta ainda. Mais uma linha, ou duas. Tudo bem, não há regras. E de "não-ditos" já estamos lotados, que são mais alguns? E continuem plantando flores. Elas serão úteis quando menos se quiser esperar.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Metade arrancada de mim.

– Acabou. Eu tinha certeza de que não iria sobrar nada depois do primeiro beijo. Acabou. Só me esforcei para confirmar o que eu já sabia. A verdade é que eu não te amo. Nunca amei, mas isso você sabe... Bem... Eu sempre te disse, não foi?
– Sim. Mas...
– Era só desejo!
– Desejo?
– É. Desejo de provar pra mim mesmo que... Você sabe que eu sou egoísta. Queria provar pra mim que ainda não tinha perdido o jeito. Mas não vai além disso. Eu deveria ir mais um pouco. Te levar pra cama. Mas é perda de tempo. Eu já consegui. Não vou precisar chover no molhado. Te levar pra cama ou não, tanto faz. Mas levaria se eu quisesse.
– Mas e se "eu" quisesse?
– É claro que você quer. Por isso eu não preciso continuar, já te conquistei. E agora vem aquela coisa de jogar fora. Não é verdade. Não se joga fora o que não se tem. Eu não tenho você. Nem quero. Eu queria que você me desejasse, só pra me sentir bem. Enfim, não vou ficar aqui te magoando. Preciso resolver umas coisas.
– Mas você não está me magoando.
– Tá vendo. É por isso que ninguém te valoriza. É por isso que eu não te valorizo. Se eu dissesse que era pra comer minha bosta você comeria.
– É porque eu gosto de você, porra! E...
– Eu já sei que você gosta, esse é o motivo de eu não precisar mais de você. E não aumente o tom de voz. Eu não suporto histeria. Já me convenci de que ainda posso, de que ainda faço o que tenho vontade. E ponho quem eu quiser pra comer na minha mão. Todo mundo fala lá no restaurante que você é o prato principal, o melhor, o que todo mundo quer mais ninguém tem. Grande merda. Agora tá aí. Pedindo pra ser embrulhado e levado pra casa. Credo. Não sei o que é pior: a sua cara de cão-sem-dono ou essa metáfora!
Eu poderia fazer você sair dessa vida medíocre. Eu poderia te fazer acreditar no amor. No fundo é isso. Eu te amo. Mas você tem medo de...
– Você quer mesmo que eu continue conversando? Porque se quer, pára de falar besteira. Quer saber, já enjoei. Vou dar o fora daqui antes que você me peça em casamento e me prometa roupa lavada. Quanta idiotice. E fala pra sua mãe passar lá no restaurante pra pegar suas coisas, porque se eu tiver que olhar pra essa sua cara de novo, é capaz de eu não conseguir trabalhar. Aliás, muda essa sua cara, pelo amor de Deus. Ninguém mais acredita em homem bonzinho. Tchau Pedro, dá um beijo aqui.
– Lúcia, você é uma puta completa.
– Benzinho... Pense nessas últimas semanas. Você vai ver que a puta aqui era outra pessoa.
– Sua idiota. Você sabe que eu não ligo.
– Liga sim... Aliás, não me ligue, não. Por favor.

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Image Hosted by ImageShack.usLerdo, após várias decepções com uma Vanzinha Paulista, anda meio amargo. É provável que essa história tenha se dado com personagens invertidos. Mas só ele viu. O negócio é acreditar no que o nosso furgãozinho diz.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Ilusão (Ato I, Cena I).

Abrem-se as cortinas, música alta tocando - sala típica (poltronas e carpete - os personagens andarão ao redor, mas não sentarão).

Júlio (entrando pela direita, conversando sem olhar para trás, a música vai baixando, aos poucos, a voz ficando mais perceptível)

"Não é tão simples quanto parece. (entra Sérgio pela mesma lateral) Fazer cinema é caro, é preciso captar muito dinheiro, convencer pessoas de que sua idéia é melhor que as duzentas outras idéias que elas recebem todo dia".

Sérgio (entrando e colocando-se a dois metros de Júlio)

"O Governo costuma ajudar, todo filme tem o patrocínio da Petrobras e da Anvisa".

Júlio (entre gargalhadas)

"É Ancine seu idiota! Anvisa é de Vigilância Sanitária! Acho que nem se fosse um filme de merda como o nosso, a gente ia ter patrocínio da Anvisa! Hahaha!. (Sérgio começa a rir). Tá vendo Sérgio? Se você não melhorar seu discurso a gente não consegue patrocínio nem com o Zé da desentupidora".

Sérgio (esfregando o rosto, como tentando se recompor)

"Ai... é tudo a mesma coisa. Ancine, Anvisa, Angina... O que a gente precisa é de indicação. E se a gente escrevesse um email? Sei lá... Pro Fernando Meireles? Aquela produtora dele é cheia de ajudar iniciante. Ele tem um blog, lá deve ter os meios de contato".

Júlio (olhando para um ponto futuro, pensativo)

"A idéia não é má! Mas será que ele lê tudo que escrevem? Geralmente esses caras têm assessor até pra cagar!". Tudo bem. Vamos ver a Ana antes, ver o que ela acha disso, daí a gente vai jantar e manda esse email amanhã. Na janta, a gente pensa no que vai escrever. Você acha que vale a pena mandar uma cópia do Roteiro? Antes de registrá-lo?

Sérgio

"Melhor não. Vai que esse email cai em mãos erradas e roubam nosso negócio".

Júlio (Saindo por onde entrou, Sérgio vai na frente - Volta a música, agora bem alta , mal se ouve o que o Júlio diz)

"Certo. A gente combina uma reunião, se ele responder, é claro". (Sai)

Ato I, Cena II
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Image Hosted by ImageShack.usLerdo esteve um tempo em São Paulo. Lá, conheceu dois rapazes muito estranhos, Sérgio e Júlio. A história deles parece engraçada de se contar. Além disso, pôde voltar a Marília e bater um papo com o Vinicius, um rapaz que só pensa em Sexo, Rosquinhas e Rock and Roll.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Déjà vu!

Os movimentos cíclicos da mídia visual ficam mais perceptíveis quando o fim de ano se aproxima. O mesmo raciocínio vale até o carnaval. Não parece haver qualquer relação cósmica com a adoção do horário de verão, mas poderia. No período entre novembro e março, a televisão assume postura típica à do jovem contemporâneo que ela ajuda a "emburrecer", ou seja, "copiar e colar". Nesse sentido, fica impossível criticar nossos estudantes que "criam(?)" conhecimento a partir de uma séria de reproduções dos discursos alheios - muitas vezes imprecisos, falhos, incoerentes - encontrados através da internet. Nos produtos televisivos, dá-se algo parecido; os programas de variedades, os esportivos, as telenovelas deflagram um processo de repetição dos mesmo conteúdos, com a diferença de que aqui, cada passo na mimese é pensado nos detalhes, algo que estudantes menos experientes ainda não aprenderam a fazer.

Um exemplo clássico, cansativo pois infame, são as reportagens relativas ao desespero de jovens próximos ao vestibular. Todos os anos consultam-se psicólogos, professores, nutricionistas, que acabam versando sobre os mesmo assuntos: "não estude na véspera", "beba água e coma coisas leves", "procure pensar em coisas positivas". Vou gravar uma reportagem dessas e passar para os meus alunos. Mas a esperança de que eles aprendam algo vai se diluir quando aparecer o primeiro "ponto material que viaja no vácuo com velocidade uniformemente acelerada"!

Também são comuns as discussões acerca do trabalho alternativo, dos contratos trimestrais que as empresas assinam para suprir a maior carga demandada no período de festas. Todo fim de ano descobriremos que o dono da montadora de veículos venderá 30% a mais no natal. Todo ano veremos que ele precisará de 30 novos colaboradores. Todo ano saberemos que o sonho desses colaboradores é ser efetivado no cargo. Todo ano veremos o desemprego subir novamente em janeiro, após uma falso período de economia aquecida - inclusive com ajuda da velhinha que coleciona bonecos de papai noel, ou da costureira que descobriu um jeito bonitinho de fazer árvores de natal com retalhos coloridos, e pode aumentar a renda da família nesse fim de ano!

No entanto, o que mais me incomoda ainda são as reportagens do Globo Esporte sobre os casos-exemplo de superação que disputarão a Corrida de São Silvestre no último dia do ano. Não há valor didático ou informativo em saber que um senhor tentará completar a prova após ter tido quatro derrames (e os 30 anos bebendo e fumando são agora esquecidos). Não há utilidade em descobrir que um ex-catador de lixo agora tem uma condição minimamente mais justa graças ao esporte - porque as oportunidades não são para todos. Não se deve dar a essas pessoas a responsabilidade de exemplificar o brasileiro médio, batalhador, esperançoso. Esse trabalho deveria justamente partir dos donos do poder, eles sim são responsáveis. São os culpados por organizar um mundo sem valores (em que o álcool vira fuga). Culpados por não dar oportunidades dignas para se praticar esporte a todos os cidadãos. Culpados por construir uma sociedade em que catar lixo é um exemplo decadente da dissolução do gênero humano, quando não é corretamente informado e construído.

Dito assim, seria de se supor que o mais correto é repetir as mesmas reportagens, pois não faria diferença nenhuma. Por que não reprisar as mesmas entrevistas citadas acima todos os anos? Afinal, são todas iguais. De fato seria mais honesto. Porém, numa sociedade de consumo deturpada, em que a "massa" já se contaminou, e da qual é praticamente impossível se libertar, as pessoas não ligam em ser enganadas. Querem apenas um mínimo de sensação de conforto, ainda que forjada pelos dominantes como forma de controle. Não ligam em ser enganados, e, caso fossem obrigados a assistir à mesma cena todo fim de ano, talvez até se revoltariam. "Porque eles podem me enganar, doutor! Desde que eu não perceba".

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Celebridades via Web 2,0

Os blogueiros Frederico e Rodrigo do Jacaré Banguela acabam de produzir um excelente documentário sobre a influência da Internet na criação de celebridades instantâneas. Ótimas entrevistas com Sociólogos, Blogueiros e novos famosos ajudam a contar um pouco sobre o sucesso estrondoso e peculiar produzido pela Web 2.0. São ótimos 25 minutos que valem muito a pena serem vistos. Uma chance de conhecer os meandros do meio de comunicação mais "democrático" da história. Para assistir, clique aqui, ou na imagem abaixo:

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Micro-cosmos

Lúcia era uma garota bonita, ainda que não se admirasse. Mas precisava encontrar-se. Sentada na varanda, aos pés do avô, questionava:
– Vô! É verdade que minha mãe morreu sem dizer quem era meu pai?
– Sim, Lúcia. Por mais que eu insistisse, ela sempre dizia que não sabia.
– Ele devia ser bonito, né?
– A julgar pela sua cara e a feiúra da sua mãe, com certeza...
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É impressionante a ingenuidade do Marcelo. Dia desses, escutando música na sala, toca o telefone:
– Alô!
– Alô! Maria Amélia é esse telefone mesmo?
– Sim... É minha mãe...
– Ah! Certo... quem está falando?
– É o filho dela, ué!
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– Você não me ama!
– Claro que amo... Pare com isso...
– Mentira. Eu vi o que você fez com a Salete... Pensa que eu sou cega?
– O que eu fiz?
– Acha que eu sou boba?
– Não... Só não sei o que foi que você viu.
– Você ama a Salete... Eu sei! Você só tem olhos para ela!
– Para de se compara com sua irmã! Ela precisava comprar um presente pro namorado. Toma filha! Pega esse maldito cartão e some daqu!
– Brigada Pai, você é demais... Te amo.
– Sei, sei.. Também te amo Giquinha.
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– Pega coxa e sobre-coxa!
– Claro! Alguma vez você me viu escolher outra coisa?
– Vai que você resolve levar peito dessa vez...
– Eu sei que você não come peito.
– Então compra coxa e sobre-coxa...
– Já peguei! Agora para de falar se não eu vou lá e troco por peito...
– Mas eu não gosto de peito!

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Das possibilidades...


Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!
(Mário Quintana)



A – Começa às cinco e meia. Vamos?
B – Não. Já disse que não embarco nessa outra vez.
A – Reacionário!
B – Que diferença te faz minha participação? Não seria melhor gastar energia procurando meios de defender seu ponto de vista lá na assembléia? Vá! Deixe-me e gaste seu tempo como quiser. A mim, convém continuar aqui. Tenho a impressão de que meus dilemas hoje se resolvem na voz do Quintana.
A – Sim? Aí está algo que me agradaria entender...
B – Não percebeu ainda? Logo você, “entusiasta” do saber crítico. Lembra-se da última assembléia? Não viu o resultado prático? O que aquelas vozes todas em uníssono apregoavam era um “não” único e inquestionável. Houve acaso diálogo sincero? – Olha pra mim! Foi você quem começou! Agora escuta! – Lembra ou não? Uma torrente de revolta canalizada em “braços dados” valha-me Deus! Quase nada de debate, e um exagero de palavras de ordem que minavam qualquer tentativa de posicionamento pessoal. Sob o risco de não comparecer e ser obrigado a ouvir, depois, pessoas como você tachando-me reacionário, como fazem sempre, fui àquela assembléia. Certo é que perdi um tempo precioso na busca de respostas. Mas valeria ter aqui ficado, ouvindo o que a poética tinha a dizer. E tem muito! Por que não experimenta um “Alberto Caeiro” de vez em quando? Ele tem respostas que nem o mais sedento “perguntante” busca. Te ajudaria a entender esse mundo degradado em que a gente vive...
A – Não te valeu estar a par dos problemas que assolam a Universidade? Não te parece válido que jovens levantem a bunda da cama que a mamãe comprou pra tentar resolver um problema que também é seu, enquanto você fica aí, perdido em “filosofia rimada”? Sou capaz de acreditar que você adora o estabelecido? Burguesinho medíocre. É por filhinhos-de-papai como você que o movimento continua lutando. Você deveria aprender com a gente? Se não fossem as incontáveis porradas na cabeça que estudantes vêm levando desde os anos 60, talvez você nem pudesse estar aqui, dizendo asneiras?
B – Tolo... Não é a luta que me desagrada. Há muito de verdadeiro e honesto em tudo isso. Mas a verdade e a honestidade são, a todo o momento, bloqueadas pela voz do grupo. Creio na opinião como creio na estética. Mas há de fato opinião? É possível que dizeres particulares encontrem voz no meio do “movimento”? O que me desagrada é saber que estudantes são transformados em massa de manobra para que uma meia dúzia de pretensos revolucionários ascenda ao poder que tanto critica. Não sou eu que vou levantar minha mão em nome de uma escalada que não é a minha.
A – Você poderia deixá-la abaixada! E convencer outros alienados como você a fazer o mesmo?
B – Não banque o ignorante, você é melhor que isso. Acaso é alienação toda essa nossa discussão? Não vou, nem faço questão de criar seguidores. Não sou dono da verdade. Mas, a minha me basta.
A – Não vê a contradição em que se coloca? Você questiona e critica o movimento. Mas não opina em contrário. Goza as melhorias que os estudantes conquistaram, enquanto critica o trabalho deles. Se te desagrada o nosso projeto, porque não propõe algo novo? É de vozes “críticas” como a sua que o movimento estudantil precisa.
B – Vou fingir que não percebi a ironia das suas palavras...
A – Vá! Diga a todos o que tem me repetido aqui – me parece que você nem tem certeza disso.
B – E quem disse que é de certezas que precisamos? A certeza é o fim do debate! Coisa que não se vê nessas assembléias. Você fala em contradição. É óbvio que é contraditório. Na nossa sociedade, parece que a liberdade só se constrói sendo “reacionário” ou “revolucionário”. Ser “ário” nenhum, ou ser tantos outros, não seria uma liberdade mais real, embora menos palpável? Você fala em defesa da liberdade como “fim” máximo e absoluto da disputa estudantil, e sequer me dá o direito de escolher ficar aqui em casa, libertando-me por vias outras, que não as de sempre. É contraditório porque estamos embebidos na necessidade das respostas prontas. Qual é o problema em não ter respostas prontas? Qual é o problema em libertar-se pelo vôo solo, pela não-resposta? Problema algum, a mim parece... E se há problema, não é menos triste que a eterna obrigação de escolher sempre entre o “sim” e o “não”. Lembra daquela quadrinha do Quintana que eu escrevi lá no muro do quintal? Vai menino, vai “passar” com os outros, eu já “passarinho”, e nem sei se me liberto mais... Bom, talvez...
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Image Hosted by ImageShack.usLerdo, em suas viagens, passou por várias cidades universitárias. Em todas elas, deveria ter presenciado diálogos muito parecidos com esse, com variações apenas no sotaque. Mas não presenciou.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Top-Top

Não sou de reclamar de minhas atribulações. Mas é natural que, dando aula em quatro colégios e fazendo faculdade, tempo não seja artigo abundante. Ocorre que, no fim de Novembro, acumulam-se: reuniões pedagógicas, redações, trabalhos, semanas de provas, aulas de revisão, além de provas, trabalhos e seminários na faculdade. Está difícil parar para pensar no que escrever. Então, como sei que sempre aparece alguém aqui, resolvi postar algo diferente - para mim, não para os blogs em geral. Sempre fui viciado em Listas, mas nunca fiz. Vamos lá:

TOP10 - Cenas que não canso de rever:

1. Magnólia - Wise Up: Quando todos os personagens interrompem as próprias histórias para um desabafo coletivo que vai além da simples quebra de verossimilhança. Um dos inúmeros motivos que tornam esse o maior filme de minha vida (1999 - Paul T. Anderson).



2. De Volta para o Futuro 1- Johnny B. Good: Ponto alto do primeiro filme da trilogia mais gostosa e viciante da história do cinema. Marty enfim faz sucesso com uma guitarra na mão. Ou não! Para quem entende inglês, ainda há tiradas ótimas (1985 - Robert Zeminsky).



3. O Iluminado - O carrinho pelos corredores: Montagem e direção simplesmente implacáveis, em uma cena macabra com o final avassalador. Ainda hoje sufocante e assustadora (1980 - Stanley Kubrick).



4. Psicose - Cena do Chuveiro: A maior aula prática de como se criar uma cena de suspense memorável. Trilha sonora, edição ágil, o assassino sempre nas sombras. Presente de um Deus do cinema (1960 - Alfred Hitchcock).



5. Scarface - Diga alô pro meu amiguinho: Um resumo de tudo o que foi feito - e de tudo o que seria feito - em termos de filmes de Gângster descentes (1983 - Brian de Palma).



6. Pulp Fiction - You never can tell: Um lado humano, mas não menos despudorado, de um gângster. Sacada de gênio, completada pela ótima trilha sonora e a volta triunfal do eterno rei da disco, John Travolta (1993 - Quentin Tarantino). Assista.

7. Grande Ditador - O discurso cômico: Tão bom quanto o discurso final proferido pelo barbeiro, aqui temos Hynkel falando ao povo da Tomânia. Hilária cena carregada de sagazes críticas aos totalitarismos da primeira metade do século (1941 - Charles Chaplin). Assista.

8. Blow UP - Tênis sem bola: Como rebater toda a melancolia humana, a difícil inclusão no tempo/espaço social e a falta de valores que assola os jovens? Tudo isso sem ser piegas? A resposta pela arte, o jogo de máscaras (1967 - Michelangelo Antonioni). Assista.

9. Exterminador do Futuro - T1000 no chão quadriculado: Quem foi jovem no início dos anos 90 com certeza ainda se arrepia com essa cena, entre tantas outras espetaculares. Efeitos especiais incríveis, quebrando paradigmas cinematográficos (1991 - James Cameron). Assista.

10. Os Saltimbancos Trapalhões - Hollywood: Performance hilariante desse grupo de comediantes que marcaram o cinema e a televisão brasileira. Trilha sonora de Chico Buarque e uma Lucinha Lins inspirada (1981 - J. B. Tanko). Assista.

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Talvez eu retorne com outras listas no futuro. Por enquanto é só matador-de-tempo e atualizador-de-blog. O fato de haver canções do Chuck Berry como fundo de duas das cenas não é mera coincidência.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Enlacemos as mãos

Lembro de estar sentando na calçada, esperando minha vez e, ao ouvir a moto de meu pai se aproximando, correr para o meio da rua, antes que ele pudesse perceber. Gritava ao garoto com a bola que a me entregasse urgente. Dominava-a desajeitado e corria em direção ao gol. Meus amigos jamais se opuseram a que eu passasse por todos eles sem qualquer resistência. Com meu pai já próximo, eu chutava e o goleiro fingia um movimento espalhafatoso parecendo tentar defender. Gol feito e eu, tomando o cuidado de observar se meu pai via a cena, corria comemorando: "É de Pelé!". E ele respondia antes de desligar a moto que eu continuasse assim, mostrasse a eles, meus cúmplices, veja só! Nenhum deles – nem um de seus pais, sabedores da trama – se atrevia a dizer algo. Carência não se explica, mas dela se sente pena. Meu pai era um homem ocupado, algo que eu me negava a entender. Assim eu dizia aos que questionavam sua eterna ausência. Não aparecia sequer para meu futebol de rua nos domingos de tarde.

Estive a considerar essa história. Risquei-lhe os traços cômicos, amigo. Para a tragédia as pessoas dão o devido valor. Não poderia minha história ser tachada brincadeira. Conto-lhe ainda comovido. Mas não me atrevo a interpretá-la. O que eu queria afinal com aquela encenação? Sabia de antemão o resultado, um grito de longe que já de há muito nem sequer arrepiava meu coraçãozinho. No entanto, eu martelava a mesma farsa dia após dia. Em vão. Tinha cinco, ou seis anos apenas. Incrível como o tempo demora a passar quando ele nos erra! E eu estou aqui: Doutor César Augusto, quem diria? Toda a minha juventude a mesma mentira. Respostas não tenho, não vale a pena.

Meu pai morreu há dois anos. Teve, ao menos, tempo para conhecer meu filho. Meu filho. Esse não sofrerá como eu. Não é justo. Quando se aprende a levantar, é preciso ajudar outros caídos. Sei que sim. Se eu puder, meu filho jamais cairá, não naquela intriga, naquela falácia, aquela euforia emprestada que eu me esforcei para chamar de infância feliz. Olha, talvez você jamais entenda isso, esse seu coração... O meu carecia de um "bater" que não era dele. Por isso sinto falta daquela rua, lá tive verdadeiros amigos, que, sem saber o porquê, tentavam dar-me vida. Como eu gostaria que esse seu coração pudesse bater forte como o motor daquela moto que eu esperava aflito, mas está você aí... Se tudo der certo, prometo visitar você, levarei meu filho, jogaremos bola e teremos vida. Mas me dê licença agora, que meu celular está tocando. Veja só, é minha esposa. Ela deve estar preocupada, afinal, estou a mais de trinta horas aqui nesse hospital. Vou chamar a enfermeira para te acompanhar.

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Image Hosted by ImageShack.usLerdo ouviu esse monólogo quando visitava crianças em um hospital de Florianópolis. Soube de um médico que conversava com os pacientes do pós-operatório, quis conhecê-lo. Mas o médico precisou voltar correndo para casa. Seu filho havia sido campeão no futebol e queria comemorar com toda a família. Nosso furgão ficou ainda algum tempo com o rapaz que escutou toda a história. Era filho único. Seu coração reagia bem.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Desembocadura

Se ele soubesse o estrago que a bala fez, não perderia tempo pensando tantas besteira. Que grande maçada! Foi dar ouvidos ao Cosme. Aquele vagabundo não consegue nem se fuder sozinho. Tinha que levá-lo de gaiato? Tinha que aparecer logo agora que Maria deu que queria uma geladeira? Para que geladeira? Não têm nada para pôr dentro. E odeia água gelada, porque dói o dente. Mas compensava o filho que Maria sonhava em ter. Cosme desgraçado! Nos segundos entre o disparo e a completa escuridão, só conseguia pensar no que não realizou. Não deu filho para Maria. Nem geladeira. Que nome teria? Não era hora de pensar nisso. Também, se tivesse um filho, a coitada hoje ia ser mãe solteira. E feia daquele jeito, com um moleque embaixo da saia, não arrumava outro pra dar teto. Mulher, quando o homem fecha, abre o olho. E esse soldado que não parava de olhar para ele? Até parece que não matou um corno sequer na vida! Ele também seria macho com uma pistola daquela na mão. Atrás de arma, até cachorro dá por boi. Fosse estourar a testa de outro e lhe deixasse agonizar no chão quente. Assim ao menos estaria livre para pensar nas idiotices que o levaram àquela posição humilhante, travando o trânsito, viuvando Maria, sujando a rua. O que Maria ia dizer de tudo isso? Na certa ia condená-lo por não abandonar de vez a companhia do Cosme. Malandro que é malandro sabe bem a hora de se fingir de santo. Não podia ter dado essa mancada. Não agora que estava a ponto de largar tudo a aceitar aquela mão do Marinho. O Marinho no dia seguinte já estaria procurando outro. E ele ali, tendo que ser carregado para vala de indigente. Ia ser carregador, ia ser gente. Mas agora, estava ali pensado na desgraçada da Maria. Para onde a Maria ia? A mãe ficou em Minas. A louca da irmã está presa. Era um idiota. No chão, morto, enterrado sem dente inteiro, mulher sem saúde e pensão. Na certa ia fazer dó no Diabo. Diabo de malandro é malandro mole. Cosme seu infeliz! Viu o que você fez para ele? Quando se pensa demais, morrer é demorado. É hora de ele fechar os olhos, é hora de ele esquecer que Maria estava viva. É hora de ele esquecer que existiu. E o infeliz do Cosme escapando pelo muro do beco. Diabo ligeiro.

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Image Hosted by ImageShack.usLerdo vinha descendo a BR153 para deixar carne-de-sol no porto de Itajaí. Já não via a hora de chegar e dar um mergulho. Foi quando um moço de Curitiba pediu carona e começou a choramingar essa história. Ele achou bem confusa a coisa toda. O furgãozinho ainda não se acostumou com esse jeito trágico que os curitibanos vêm cultivando.

sábado, 3 de novembro de 2007

Bloga Bonito!

As alterações na cara desse blog são de responsabilidade da esfuziante Anna Flávia. Um anjo que mora lá em cima (Em Pernambuco mesmo, não no céu). Larga tudo e vem-se embora menina!

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Lerdo: "Ah! Zé(d's)... se você soubesse como esse canto do país é bom... você não chamava a moça pra São Paulo!"

Zé(d's): "Cala a boca, Furgãozinho metido a besta! Não atrapalha! Vá atrás da manteiga de garrafa que até agora você não comprou!"

Capítulo XIV: Vidas Semi-úmidas

Fabiano chegou a São Paulo carregando no ventre Vitória uma história. História cheia de comida, água e luz. Sinhá Vitória comemora a derrota do nordestino. Porque o gaúcho ainda brinca? Então é por isso que se desce o sertão? Humilha-se uma família por tão nada? Beijou a mão de um destino que não escolheu. O menino mais novo tossiu de falta de ar. O menino mais velho deu risada da puta na esquina. Então é assim que se ganha a vida no sul? Porque São Paulo é o sul do retirante. O mais frio sul possível. Fabiano quis chorar, sentiu falta da Baleia. A Baleia carregava preás na memória enquanto vivente, ele nem isso. O céu da Baleia era mais paraíso que a Praça da Sé. E a fé se foi emborando... emborando... até que emborou pra sempre... embora não fosse fé o que se buscava aqui, Fabiano dela precisava.

O Soldado Amarelo virou cinza, a fuga virou escape, a areia virou concreto, mas a vida ainda era a mesma caatinga. Fabiano quis falar, mas não falou, não era bom com palavras. Então se condena um homem ao sul mesquinho por tão pouco? Então o sul é um São Paulo sem dono? Quem vai nos pôr no lugar? O menino mais velho viu uma vaquinha colorida na calçada. Há tempos não via uma tão gorda, o sino não tocava. Moleques de sapato colorido. O menino mais novo dormia e acordava pra comer o que não se tinha. O Soldado Cinza veio expulsá-los. Sinhá Vitória estava vencida. Venceu o sul, o sal de São Paulo.

E a fuga é só mais um nome que se dá ao desespero de não se pertencer ao que te é lar por direito. O Nordeste pode ser bonito. Feio é não querê-lo, como não o quis, por alienação comprada, os fabianos, as baleias, as sinhás vitórias, os meninos velhos e novos que aportaram num sul que morre da desesperançosa esperança infundada. Dorme sob a ponte, para acordar sob o mesmo céu de garoa. Sem reclamar. Então é isso que um sertanejo vem fazer aqui? Se soubesse lá ficava. Para amar o que é meu, e dele tirar proveito. Ah, vida que só é vida nos calcanhares dos outros. De ti não se quer nem as mais repetitivas bem-aventuranças.

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Image Hosted by ImageShack.usLerdo acaba de passar pelo sertão das Alagoas. Lá descobriu um velhinho chamado Graciliano. Foi esse senhor simpático quem ditou essa história para nosso querido furgão. Pediu para que espalhássemos por aqui que o sertanejo continua retirando... Lerdo ainda não sabe, mas conheceu um santo.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Revolta ou Servidão?

“O Homem, que, nesta terra miserável, / Mora entre feras, sente inevitável / Necessidade de também ser fera” (Versos Íntimos, 1912). Quando, no início do século XX, Augusto dos Anjos alertou para essa peculiar condição humana – a de que o contato interpessoal gera um impulso quase sempre irracional do indivíduo em direção aos mesmos raciocínios(?) e atitudes de outrem –, ele pouco se importava qual a qualidade atribuída a essa “fera”, ou seja, pouco lhe cabia discutir se a fera seria aquela que, atrás das grades da jaula, expõe-se à visitação e observação (dominada, portanto), ou se aquela que, muitas vezes sem mesmo saber o porquê, passa as tardes de domingo a observar (de uma posição dominante) as feras presas. As do primeiro tipo, ao menor rugido insatisfeito, recebem uma quantidade ínfima de “carinho” e alimento, para que continuem a servir sem reclamar por mais algum tempo. As dos segundo, ao oferecer “conforto/pagamento” diário, garantem que a subordinação se perpetue. As metáforas empregadas pretendem dar conta das duas classes sociais às quais Marx atribui responsabilidade pelo movimento perpétuo da história capitalista: o burguês e o proletário.

O burguês, que assiste bestificado o trabalho do outros, não mostra possuir consciência do estado em que se encontra. Ao realizar os mesmos caminhos daqueles que o precederam e dos que ele precede, não parece estar preocupado com as escolhas que lhe são impostas. Instrumento de uma Racionalidade prática, incapaz de traçar o próprio caminho, sente-se feliz. Ocorre, no entanto, que essa felicidade aparente é, como tudo o que possui, comprada, indicada, recomendada pela coletividade em que se inseriu ao sentir aquela “inevitável necessidade de também ser fera”. No caso do operário a situação não parece andar diferente. Estando também servindo a uma lógica instrumental, na condição de mais um instrumento, o indivíduo parece ignorar o estado de dominação que o abate, ou os estados de dominação, quais sejam: a relação com o patrão, e a relação com uma sociedade instrumentalizada, com uma racionalidade que visa a fins instantâneos (de prazer?), como forma de reprodução do ideal capitalista, superior ao indivíduo. Como se vê, a única coisa que parece diferenciar os dois grupos é o poderio financeiro que cada um possui para comprar sua dose de entusiasmo, de felicidade forjada.

Trata-se do apagamento da esfera individual, na atual sociedade todos sentem – dominadores e dominados, na terminologia Marxista – o mesmo impulso a bestificar-se (assim nos lembra Augusto dos Anjos). Desaparece o poder de escolha, dissolve-se o EU em nome de um NÓS que rapidamente é ELE, ao qual todos se devem unir. “ELE”, aqui, representado por qualquer instância responsável por diluir, na prerrogativa do convencionalismo e da instituição como regra, o poder de escolha daquele EU.

Duas são as questões a se discutir. A primeira é quanto à necessidade de um questionamento íntimo, um pensar verdadeiramente transgressor, transcendente, emancipador, mas, sobre isso falo no último parágrafo. O segundo é justamente o que diz respeito à capacidade das convenções, dos papéis sociais, de minar a opção pessoal. Na contramão dessa tendência, é bastante atraente a figura de “Mersault”, o herói absurdo do romance O Estrangeiro de Albert Camus. Diante da sociedade contemporânea e de seus ícones, o jovem parece abster-se à necessidade incessante de escolher, de ser também fera, de aliar-se a essa ou aquela regra social. Não é alienação, mas raciocínio crítico, crença na própria capacidade de pensar o mundo e a vida.

Pensar! Essa talvez seja a resposta. O questionamento interior, aquela “extenuante pergunta íntima”. Mas é difícil se questionar. Eu disse certa vez, aqui mesmo: "Cada nova exigência de concentração é um passo rumo à completa incapacidade em se concentrar". Eis a crise real. E o pensamento como práxis política passa a ser mais uma utopia de um mundo de utopias. Quando não são utopias, são conclusões dadas, não menos prejudiciais. E por esse motivo Álvaro de Campos se revolta: “Não! Não quero nada! / Já disse que não quero nada / Não me venham com conclusões / A única conclusão é morrer” (Lisbon Revisited, 1923). Morrer ou Raciocinar, aquilo que mais convier aos corações enfurecidos e não submetidos, ainda, aos desmandos coletivos. Se o José, de Drummond, pudesse ver dessa maneira, gritaria, gemeria, tocaria, dormiria, cansaria e, enfim, morreria bem; “Mas você não morre, / Você é duro José”. Quanta falta te faz um bom papo de esquina com Mersault. Não para ser como ele, pois que não te faria sentido, mas para ver que “tanto faz” é revolta. Muitas vezes a revolta do possível, a livre, a real exaltação do EU.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Antigando a vida

Viver é passar. É, seu moço. Minha história vai cambaleando, cambaleando, devagar descendo, devagar descendo... E quando estiver descida de todo, eu decido dar fim, seu moço. As formigas trabalhando e minha vida não faz sentido. Aeromoça viajando e minha vida não faz sentido. "José" bebendo na esquina e minha vida não faz sentido, seu moço. Se eu bebo, se eu viajo, se eu trabalho, seu moço, é pra dizer lá em casa que não ando à toa. E eu ando, seu moço. Dizem que esse negócio de eu falar com coisa é porque tô ficando doido. E o senhor é coisa. Mas me diga, seu moço: faz sentido fazer miséria assim de um pobre lacaio como eu? Faz sentido, seu moço? Miséria? Responde não, seu moço. Eu queria acordar longe da vida, passear na estrada longe da vida. Longe da vida, em boa hora, cruz na linha da mão, resposta confusa, rádio, porta e farol, seu moço. Minha crise ia ter desculpa. Me desculpe, mas tem desculpa , seu moço? Tem não, seu moço. Minha vida ia ser estúpida, mas eu ia me dar muito bem com isso. Porque no fundo, seu moço, nós somos todos estúpidos. A vida é música ruim, seu moço. Música de igreja mesmo. Ruim. O senhor me perdoe, mas hoje eu tô triste por demais. Minha filha amanheceu com saúde, mas continua com aquele negócio de que não gosto dela. Faz razão, seu moço? Faz não, seu moço. Eu amo aquela menina. Não fosse ela ainda tá sendo gente, eu já teria me matado. O problema é que a gente não se conforma. Outro dia mesmo eu apaguei a vela com cuspe. Eu sabia que não queimava o dedo. Mas eu não tinha nada pra fazer, seu moço. O senhor tinha? Tinha não, seu moço. O senhor sabe como é. A vida é não ter nada pra fazer. Nada do que a gente gosta. Deixa explicar. Eu, por mim, continuava desinventando as coisas. Eu ia pôr cauda de cometa em cachorro cotoco, seu moço. Eu ia se me deixassem. Eu ia dar uma mão pra João-sem-braço. O senhor ri, né seu moço? O senhor acha engraçado. É porque o senhor existe do jeito bom. Eu não, seu moço. Minha existida tá cada vez pior. Eu tô desistindo de existir. Eu desistia se me deixassem. Mas a vida passa, uma hora ou outra. Viver é passar? É sim, seu moço...

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Image Hosted by ImageShack.usLerdo me trouxe essa história de Ilhéus, quando esteve por lá comprando tempero baiano para contos picantes, os quais não sei se contarei. Diz ele que a ouviu de um senhor que, dizem por lá, conversa com máquinas. E o Lerdo (e curioso) quis saber sobre a vida dele. O nome do senhor é Jorge. Dizem que por lá todo mundo o ama bem, e a alma dele vai viver nas gentes...

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Tropa de Elite: arte realista e fascismo psicológico

Ler Tropa de Elite. A nova profissão do intelectual (e do intelectualóide) é ler Tropa de Elite! Não apenas assistir a Tropa de Elite. Todos aqueles que julgam construir em conjunto a inteligência nacional já fizeram sua leitura. Pessimismo, Brutalidade, Exagero, Crueza, Estereotipia, Reducionismo, etc. Não convém aqui julgar Obra e Críticas, dada a exaustão dos procedimentos. Antes, é preferível se eximir de qualquer tentativa do novo. Não, esta crônica não tem novidades. Para que não se caia pelo efeito contrário em palavras vazias, a intenção é simples: Ler duas leituras já feitas. Longe de procurar rebater a opinião alheia, discordar por discordar, ou amargar na difamação a falta de criatividade própria, a intenção é simples: trazer até aqui dois termos que são usados diariamente para descrever o filme, e, a partir deles, tecer quaisquer comentários a respeito.

O primeiro é
fascismo. Dentre as várias publicações que aderiram com ou sem conhecimento de causa a essa nomenclatura, a que mais parece coerente é a de Marcelo Coelho (Folha de São Paulo, 10/10/07). Ausentando-se de análises da terminologia empregada, pessoas sérias são tentadas a afirmar um posicionamento que não é delas. Chamam fascistas as atitudes de Capitão Nascimento (e por continuidade o diretor do filme!!) sem o menor cuidado em observar o peso que aplicam a essas palavras. Comparam o policial a Stalins, Hitleres, Mussolinis, homens que tiraram a vida de milhões e milhões de inocentes dentro e fora de seus respectivos países, apenas por pensarem de maneira diferente. Fascismo é julgar o diferente sem dar-lhe inclusive a chance de revelar-se. Fascismo é argumentar no vazio contra aqueles que desmascaram um mundo de ovos arremessados janela abaixo. Fascismo é arremessar ovos janela abaixo. Fascismo é dar esmolas e roubar empregos! Marcelo Coelho, no entanto, procurou rever a conceituação. Homem correto e analista clínico do mundo que o cerca, o colunista evitou modismos e trouxe à tona o real fascismo do filme: o psicológico. Se há fascismo, e acredito que sim, é desse segundo tipo. Fascismo enquanto atitude destemperada, agressividade, destrutividade, obsessão pelo direção correta, etc. Um fascismo ao qual todos nós estamos sujeitos, e muito mais está um chefe de um grupo, nosso Capitão, disposto a dar a própria vida em prol da regulamentação de um mundo caduco, deturpado pela ação inescrupulosa de cidadãos responsáveis justamente por fazer o contrário daquilo que lhes é dado fazer: garantir a segurança. Fascista sou eu, é você, são todos aqueles que preferem ver eternamente atrás das grades um "bandido", a dar-lhe as mínimas chances para um re-socialização completa. O que Nascimento faz é simplesmente externar uma raiva, uma revolta que todos nós temos, mas escondemos atrás de nossas mesas de escritório. Enquanto assinamos folhas de demissão, Nascimento dá um tiro. Enquanto rimos das desgraças alheias, Nascimento tortura.

Um outro termo ordinariamente empregado é
realismo. "O filme é muito realista", "um realismo exagerado", "é de um realismo muito forte". Não percebem que "muito", "exagerado", "forte", não são aplicáveis a realismo enquanto manifestação artística. A arte realista é em si a busca pela adequação do objeto-obra ao mundo em torno do artista, numa representação a mais fiel possível. Um romance realista descreve a realidade que cerca a personagem, e a própria e previsível atitude dessa personagem frente ao mundo. Um quadro realista deve ser a perfeita fotografia, deve ser o que é a câmera, deve nos representar aquilo que qualquer olho sadio pode ver, ou deveria. Assim também é para o cinema. Realidade externa é realidade externa. Não há graus, não há níveis de realidade, não dá para ser mais ou menos realista. O que nossos analistas de plantão parecem querer é uma realidade atenuada que não nos ponha em estado de choque, que não nos dê vergonha por sermos o que somos, que não espante turistas, que minta para nós, que fantasie um realidade que é, perdão, apenas real sem adjetivações!

É possível que ambas as designações estejam corretas, e quero acreditar que sim. Mas se o filme é Fascista, é assim por ser Realista. Mostra a agressividade e tendência ao olho-por-olho que há em nossos corações, mas mostra porque é realista. Nos apresenta a raiva antes reprimida, que emana de nós mesmo, mas mostra porque, simples, é realista. Tão Fascista e tão Realista que me proibiu qualquer análise de termos técnicos – a direção extremamente ágil de José Padilha, a atuação como sempre impecável de Wagner Moura, a edição de Daniel Rezende que alterna cenas em ritmo vídeocliptico com outras quase mortificadas pela atmosfera de indecisão e medo que cerca a obra. Temos que considerar, porém, que Padilha, Moura e Rezende voltarão com certeza. Então faremos as devidos e rasgados elogios nos próximo trabalho que apresentarem. Para o momento, é mais sincero cometer a injustiça de falar apenas do filme em si, a obra em si, Fascista, Realista, um primor do cinema nacional!

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Tramas

- Como faremos para que ele não nos veja?

- Relaxe... A essa hora, o máximo que ele consegue é se virar para o lado. Não acorda mais.
- Ainda assim é perigoso, você confia demais na sorte...
- Já te disse, venha comigo, dê a mão aqui... Faz tempo que você não vem pra cá... Estava com saudades.

O diálogo construía-se pé ante pé. A voz, quase a sumir, servia apenas para corroborar um movimento de lábios mais que suficiente. Os gestos diziam o que o coração preferia esconder. Como sentiu falta dele! Todo esse tempo e ela não conseguia esquecê-lo um só dia! E agora estava ele ali. Parecia mais forte, mais saudável. A sua presença preenchia um vazio de há muito.

- Eu ainda te amo, apesar de ter me abandonado, nunca te amei tanto.

Sua ausência era seu charme.

- Silêncio! Se ele acordar estamos fudidos!
- Já disse que ele não acorda. Fica tranqüilo.
- O que você pretende?
- Diga você! É idéia sua...
- Antes tire essa camisa, veja só: ensopada de suor.
- Não havia ar condicionado no ônibus... E ele? Não mudou nada!
- O mesmo mané de sempre. E eu não largo...
- Você não consegue mais... Tem certeza de que isso não é arriscado?
- Se você perguntar novamente sou capaz de desistir...
- Não, não.

Sem que o tal mané soubesse, sua esposa tramava, praticamente aos seus pés. Tramava com aquele que durante tanto tempo, e nada secretamente, dividiu o coração dela. E ainda dividia, se é que não o tomava de arrasto! Estranha fixação das mulheres nos amores antigos. Justo ela, que jurara jamais tornar a dirigir-lhe a palavra, desde o dia em que ele, num rebentando de juventude, a deixou. E agora ali, os dois, ao pé do mané, como prontos a atacá-lo. Ela segurava a faca na mão esquerda. Ele, ainda com aquele rosto jovial que o marcava tanto, não mais voltaria atrás, e mesmo sabendo que seu pai jamais aprovaria... acendeu a luz!

- Parabéns pra você, nessa data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida... E pro Manuel nada?
- Tudo...

Enquanto sua esposa cortava o bolo, Manuel esfregava os olhos... E, numa mistura de surpresa e alegria, disse apenas:

- Filho! Você voltou... Que merda! Odeio festa surpresa, e odeio ser acordado...

E se riram.

domingo, 23 de setembro de 2007

Por favor, cuidem dos desesperados!

Os mais próximos sabem exatamente o que aconteceu no último 11 de setembro. Não! Não é o que você está pensando. Osama não aprontou nada novo. Continua tingindo a barba e exaltando em vídeos o heroísmo muçulmano de há seis anos. Falo precisamente do que ME aconteceu na tal data! Se estou sendo testado, se recebi um alerta, se deus me carregou no colo, se não era minha hora, se eu gostasse de axé, se a união soviética vingasse, não sei. Nenhuma resposta me foi dada, nem a quero. Garanto, porém, que minha terceira vida começa diferente das anteriores. Começa de onde as outras pararam, vai até onde as outras tentaram, aprende com os erros que as outras erraram, no fim é tudo a mesma... Não, não é.

Na primeira, ainda banguela e careca, eu me restringia a mamar e chorar. Meu pai, recém casado, esperando uma vida inteira acontecer, com 19 anos de idade, devia olhar pra mim e pensar: "esse cara de joelho vai me dar trabalho. mas será o meu trabalho, né josé neto?"Infelizmente não pudemos provar, não é seu Amir?

Na segunda, imaturo e precisando errar, eu me restringia a beber e falar mal das pessoas. Minha mãe, viúva experiente, esperando apenas que a vida continuasse vida, com seus 40 anos, devia olhar pra mim e pensar: "esse cara do pai dele está me dando trabalho. mas é o meu trabalho, né zé neto?" Infelizmente é verdade, não é dona Elza?

Na terceira, trabalhador e consciente, eu me restrinjo a não mais beber ou fumar. Eu mesmo, cansado da "não poética" da vida, esperando uma luz no fim do túnel, com meus 24 anos, devo olhar para dentro de mim e pensar: "esse cara de bunda tem muito trabalho. mas é o meu trabalho, né zé(d's)?" Com certeza sim, não é José?

Curioso que as minhas três vidas começaram no hospital, com sangue e lágrimas. Histórias de Hospital que o Paulo ainda não contou. Parece que se eu me der ao trabalho de aprender a tocar algum instrumento vou ajudá-lo a compor uma rapsódia falando sobre tudo isso, mas sonhos, sonhos são. E eu, que há muito sonho são e sóbrio, soluço essa crônica apenas para que, externado todo esse sentimento de empate, possa continuar, agora de uma vez por todas, minha terceira, longa e, quem sabe, feliz existência. Se a felicidade nasceu morredoura não sei, mas nasceu. Entre outras coisas, e principalmente, nasceu por trás de óculos novos, olhando outros óculos (rubro-negros) contornados por um rosto que é, esse sim, estética, poética, enfim... Explicações demais desmentem a própria beleza.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Capítulo CLXI: Das Perdidas

Mas esse capítulo é todo de Perdidas. Nada do que disser será novidade, escrevo apenas para avisar que não contarei de minha viagem para Ilha Solteira, como seria natural, descrevendo o álcool, a música e a areia. No lugar, falarei das coisas que eu perdi estando lá, perdido. Perdi o décimo segundo Grand Slan e mais um show do Roger Federer, além da vitória da não menos espetacular Justine-Henin. Perdi a visita mensal de meu irmão, cada vez mais sem tempo pra nós aqui em Marília. Um cara especial, meu amigo, mas não tenho tido tempo nem para dizer isso a ele. Perdi a medalha de bronze da minha amada Jade Barbosa, no mundial de ginástica de Stuttgart, e eu já a amava quando perdia, agora que está ganhando, todo amor é mais fácil. Perdi um ônibus para São Paulo quase de graça. Perdi alguns neurônios. Perdi a noção. Perdi tempo perdendo chances de me perder, como nesse fim de semana, perdi contato... Perdi...

Dito dessa maneira, alguém diria que saí desse fim de semana sem nada de proveito, e pensará mal, mas só percebi isso ao chegar a esse lado da verdade. De tudo que perdi, tem algo que perdi e que me deixa com um saldo bastante positivo. É a última perdida desse capítulo de perdidas: Perdi dinheiro! Não economizei um centavo na tentativa de aliviar o legado da nossa miséria.

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Image Hosted by ImageShack.usEm tempo: Meu filho vai chegar até mim, com uns dez anos e fazer comentários sobre algum jogador de tênis. E eu, como todo pai chato, vou responder: "Você não viu nada, você não viu o Federer jogando". Mas nesse caso estarei apenas sendo sincero. Com apenas 26 anos, Federer já o maior tenista de todos os tempos. Possui um arsenal de golpes de direita e de esquerda, com um backhand tão limpo que parece improvável. Com um técnica que se adapta bem a diferentes tipos de quadra, já conquistou 12 torneios Grand Slan (5 Wimbledon, 4 US Open, 3 Austalian Open). E a cada ano está mais forte no Saibro, seu ponto fraco. Ainda assim já é o segundo melhor tenista nessa superfície. Talvez no ano que vem a profecia se inverta, e Federer supere Nadal em Rolland Garros.

sábado, 1 de setembro de 2007

Kitsch and Hype (Conscience and Decadence)

Cada nova exigência de concentração é um passo rumo à completa incapacidade em se concentrar. Cultura de massa, modismo, semi - formação, resumos de Internet, macetes, edições comentadas e manuais de funcionamento. A crise do indivíduo é social, antinomia natural. Vive-se o tempo da contradição. O indivíduo não se concentra, o "público distraído" nunca tão distraído. A arte, por muitos julgada emancipadora, desfaz-se em duas, não melhores uma em relação à outra, diferentes na forma, idênticas nos problemas que apresentam. E criam, para que as consumamos, dois grupos de "apreciadores" (leia-se: receptores passivos) também diferentes. São dois os caminhos da arte, que a tornam a ausência de si mesma.

O Primeiro, mais comum, todos conhecemos e insistimos que ("ai se fosse o meu!") não é digno de ser considerado caminho artístico. E o é. O que Beyoncé, Michael Bay, J. K. Rowling, tem em comum? Todos acreditam estar criando arte, de fato. A música, o cinema, a literatura, reproduzem hoje, ainda que veladamente, ideais de consumo e controle que esses artistas assumiram como verdade. O fazem sem medo, não duvidam da própria inteligencia, mas da do público "consumidor". O que podemos fazer? Coisa alguma. Melhor uma criança que lê Harry Potter do que uma que nada lê. Queria eu que todos os adolescentes do planeta tivessem o prazer de assistir a Transformers num sábado à noite, quando sei que a grande maioria perde-se em maneiras de matar a própria fome.

O Segundo, virtuoso do mundo alternativo, se auto-intitula superior. Discorre sobre sexo, drogas, triângulo amoroso, pobreza, magia e violência (mas os outros também!), a temática do vencido ou a do vencedor? Tanto faz, como tanto fez! O Segundo propõe a crítica que o mundo do consumo aprendeu a se auto propor ("se você não faz escolhas óbvias, deve dirigir o mesmo carro de 50 mil reais que eu" é o mesmo que "todo mundo aqui nesse cinema é idiota, inclusive você"). Morrissey não é melhor que Beyoncé, Paul Thomas Anderson não é melhor que Michael Bay, Ferreira Gullar não é melhor que J. K. Rowling. E não são melhores porque, ao fazer a crítica, tornam-se herméticos demais para insurgirem emancipadores, restringem-se a um público que deles não necessita, ao menos como pedagogia. Em outras palavras, arte emancipadora é arte de elite intelectual, elite intelectual é emancipada por vias outras (questionamento filosófico, leituras políticas, engajamento, influência familiar, sorte, etc.). Quanto mais queijo menos queijo! Não bastasse isso, explodem cópias dessa pretensa arte melhor. Cópias que se produzem aos moldes da industria descrita no parágrafo anterior. Hype, Hype and Hype.

Não estou, como parece, defendendo a banalização, simplesmente porque duvido de sua existência. A arte é a mesma sempre. A única arte emancipadora e transcendental foi a pintura que aquele primeiro homem, consciente de seu dever de educador, fez da própria caçada, e ensinou seus filhos. O mesmo homem que soprando um pau oco fez música e descobriu que ela atrairia, por semelhança de sons, algumas aves que serviriam de alimento à família. De lá para cá, a arte é consumo. A Capela Sistina foi financiada pela Igreja Católica corrupta, a alta sociedade germânica pagou por cada nota de Mozart, Machado de Assis ficou rico escrevendo. O que eu critico é o ímpeto com que certas pessoas, sob o manto da superioridade, criticam aqueles que perceberam que no fundo, a arte nunca foi outra coisa senão uma maneira mais saudável de repor as forças, após um dia estafante de trabalho.

De minha parte continuarei a ler Gullar, assistir a Anderson e ouvir Morrissey. Não que eu negue completamente a turma do primeiro grupo, eles também são legais, mas eu me acostumei, de ser intelectualóide chato, àqueles que antes eu imaginava serem a única forma de arte possível. Hoje eu mudei, minha aproximação com arte não! Sem qualquer relação com qualidade, porque isso pouco importa. Questão de gosto... só de gosto... Sejam felizes.

sábado, 18 de agosto de 2007

Simpsons, o Filme.

Eles já viajaram para a Inglaterra, o Brasil, a Austrália, a China, o Canadá, etc. Já foram à praia, à floresta, ao rio, moraram em outras cidades. Já foram ao inferno e ao céu (literalmente). Já conheceram Ramones, Michael Jackson, Madona, REM, Bill Clinton, Mel Gibson, Steven Spilberg, The Who, Paul McCartney, Paris Hilton, e tantos outros. Já foram astronautas. Já salvaram o mundo, já entraram em guerra com golfinhos, já foram perseguidos por assassinos seriais, já ganharam concursos, se transformaram em chupeta (!), Einstein, Bruxa, Esqueleto, Homem - sem - cabeça, Lobisomem. Foram Harry Potter, presidente americano, foram ao futuro e ao passado. Conheceram ETs... A lista de situações vividas ao longo de 18 anos pela família Simpsons é infinita. A Antologia de cenas hilárias também. Como, nesse caso, conseguir algo novo com o longa? Não conseguiram.

Com pouco menos de 90 minutos, o filme parece, para qualquer um que conheça bem a série, um bom episódio alongado. Ou uma trinca de episódios seqüenciados exibidos de uma só vez. Não que pudéssemos esperar grandes viradas históricas. Qualquer descuido dos inúmeros roteiristas da película, poderia resultar em complicações para a continuidade natural do programa. O Moe, para esclarecer meu raciocínio, não poderia morrer, com o risco de não podermos contar com o barman turrão na sequência da série. Com isso os personagens agem como sempre agiram, nada que fuja ao costume. Parece que o único propósito do longa foi o financeiro. Natural para aquela que é, sem dúvida, a mais importante e premiada série animada da história da televisão mundial.

Ao menos, o humor venenoso se mantém. Nada que não apareça a cada minuto nos episódios da TV, mas sempre delicioso. O melhor exemplo é justamente a primeira cena do filme. Toda a cidade de Springfield assiste no cinema a um longa de 'Comichão e Coçadinha'. Revoltado, Homer se levanta e dispara: "por que eu tenho que pagar uma nota pra ver algo que passa todo dia na TV de graça? Todo mundo aqui nesse cinema é idiota." e apontando para a "câmera" completa: "inclusive você". Uma jogada de mestre dos roteirista, muito provavelmente pensada após o conclusão do texto. Devem ter percebido que não passava de um episódio corriqueiro da série, e optaram por declarar isso já no início. Acertaram. Não bastasse isso, no meio da projeção tudo escurece e aparece o letreiro "to be continue"... e segundos depois "immediately". Como se estivéssemos realmente diante de episódios integrados, e não de um longa. Prova cabal de que não deveríamos nos enganar. É o mesmo Simpsons da TV.

Outra questão séria, essa mais nossa, é o fato de que a Fox do Brasil não conseguiu acertar as bases financeiras com Waldyr Sant'Ana, o dublador oficial de Homer e Vovô. Triste, pois até as cenas conhecidas pelos trailers, dublados antes desse problema (em especial a do Porco-Aranha e a do telhado), parecem menos engraçadas sem a voz de Waldyr no filme. Um detalhe que, perdão pelo clichê, fez toda a diferença.

Mas vale bastante a pena. Como diversão é um prato cheio. Com takes mais amplos (graças ao formato WideScreen dos cinemas) as cenas ganham uma maior agilidade e permitem o jogo com vários personagens ao mesmo tempo. Sacadas políticas e filosóficas são rotina. As costumeiras referência metalingüísticas também estão presentes, como as duas que citei acima. Os moradores de Springfield aparecem todos. Dos personagens mais importante, senti apenas a ausência de Sideshow Bob, que poderia ser muito bem aproveitado no terceiro ato. Os convidados também dão as caras: Schwarzenegger como presidente, Green Day como músicos ativistas, etc. Nenhum recurso que já não supuséssemos, mas todos bem utilizados e necessários. Por isso, não é depreciativo dizer que o filme repete a fórmula da série de TV. Pois se essa beira a perfeição, aquele deveria ser exatamente isso: um prolongamento da genialidade de Matt e sua turma. Nós Simpson-maníacos sentimos apenas que não fomos surpreendidos. A surpresa foi justamente a existência do filme, após longos 18 anos de espera. 18 anos esses que permitiram aos roteiristas praticamente todas as possibilidades de exercício criativo, não parecendo ter sobrado muito espaço para mais novidades na telona.

Olhando assim até parecem comportados...

sábado, 11 de agosto de 2007

"Zé, você é o professor mais lélé"

"Do muito que tenho corrido, pouco tem sobrado para escrever. Os poemas, vá lá, faz-se entre os goles de café. As crônicas (por mais que me alertassem os bestiais, só acreditei depois de Verbalizações) demandam um tempo que não tenho".

Pensei em começar esse texto com o parágrafo acima, depois eliminei, e trouxe de volta, por fim, para as devidas explicações. Mesmo sendo um ótimo "eximir-se", ele não diz verdades, e se fosse para mentir, continuaria nas ruas. Aqui residirá somente o que sinto e penso das coisas, com toda sinceridade, um pouco de modéstia e muita humildade que só têm servido para que me chovam confetes que não peço, mas gosto. Sim, esse é meu lar e redenção, cama e massagem.

Na verdade a culpa é de Jade, Bergman e Michael Bay. Com a empolgação natural de toda novidade, me propus a fazer o que fosse necessário para que esse espaço agradasse. Travei contra minhas imperfeições a mais árdua das batalhas. Saí de cada nova postagem um pouco mais fraco. E agora, ao relê-las, acredito que o resultado foi o esperado, elas estão realmente boas! Eis a questão: não sei se serei capaz de escrever novamente com a beleza primaveril de a pouco. Por isso a dificuldade em verbalizar novamente. Coloco idéias na cabeça e no papel, nada! Talvez a solução fosse abandonar a caneta e buscar a enxada. E, com ela, "cavar até encontrar um coração". Minhas linhas andam sem coração, sem coragem, sem emotividade.

Coração que só bate cada vez que volto ao tablado para uma nova empreitada como professor. Não sei qual é o melhor emprego do mundo. Porque ser professor não é emprego, é vocação. E ainda que tratado comercialmente, só seria o meu melhor trabalho. Só posso afirmar que as respostas para todos os problemas e dúvidas está nos rostos infantis que me observam e sorriem, que olham para mim sem o mínimo pudor em dizer que me amam, que me respeitam, que me admiram. Os alunos mais velhos são irmãos mais novos que eu cuido para não deixar nos desvios, mas as crianças são os filhos que eu quero, mas nem sei se terei.

Coragem para posicionar-me acima do incerto. Dizer no rosto o que penso, e não disfarçar. Negar o que me prejudica sob a alcunha de desafio. Viajar sem dinheiro, para viver o que apenas leio e ouço. Xingar menos, gritar menos, beber menos. Correr mais, cantar mais, escrever mais. A coragem é um artifício tão poderoso quanto o disfarce. Mas enquanto esse te joga no arrependimento da não-vida, aquele te projeta no arrependimento da mal-vida. É uma utopia pesada, pensada e passada. É quase a não-poética.

Emotividade, se falta nas linhas, não falta fora delas. Confesso que tenho "quase chorado" diariamente. Não por dramas e vicissitudes próprios. Desses cuido na luta, no disfarce ou na esperança. Tenho quase-chorado pelos que, assim como eu, se precipitam em dias melhores, em sonhos realizados, em tempestades de benevolência. Quase chorei com minha Jade, quase chorei com o Clodoaldo Silva (meu herói máximo no que concerne o superar-se), quase chorei com a doação de computadores para um projeto social, quase chorei com o poeminha da aluninha Bárbara, quase chorei com a esperança do aluninho Fernando em dias mais legais (a frase "cavar até encontrar um coração" é dele), quase choro a cada novo comercial sobre dia-dos-pais. E lágrimas hão de rolar, de alegria, que fique bem claro. Tristeza é para quem tem tempo.

Ao que parece tenho vivido (muito e bem), ainda bem. Essa é a resposta Kim. Essa é a resposta Karol. Vocês têm motivos suficientes para não precisar escrever como eu: vida pra viver. Motivos demais, como os meus em quantidade, diferentes na qualidade. Portanto, e para que suas palavras estejam sendo colocadas apenas para a pessoa certa, continuem vivendo, deixem que eu escreva, a cada quinze dias, quando eu dou uma parada nesse vida corrida que aprendi a adorar. Talvez, no futuro, eu também não escreva mais aqui. Talvez eu tenha o mesmo bom motivo de vocês, nem é preciso esclarecer.
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Image Hosted by ImageShack.usEm tempo: Quero fazer um agradecimento especial a todos aqueles senhores que, com seus trabalhos, tornam os meus trabalhos mais simples. Falo dos comediantes que têm contribuído, de uma maneira ou de outra, para aliviar a tensão natural no dia-a-dia do pequeno burguês. Peço a todos que fiquem de pé e saúdem com uma enorme salva de palmas: Roberto Gomes Bolagnos, Zach Braff, Colin Mochrie, Jim Carrey, Luís Inácio Lula da Silva, Diogo Mainardi, Rodrigo Scarpa, Wellington Muniz, Homer Simpson, Galvão Bueno, Charles Chaplin, Jerry Seinfield, Jerry Lewis, Steve Carell, Sacha Baron Cohen, Lucas Ferreira e Deus.

sábado, 4 de agosto de 2007

"Sozinho" (para relembrar)

O sol acabara de se pôr. Eu, para variar, escolho um bar mais afastado de casa. Anseio algo diferente. Caras novas. Um atendente se aproxima, descobrindo um cliente novo. Gentil como se deve ser em casos assim. Peço uma cerveja. Não demora nada. Começo a rabiscar frivolidades num papel. Quem sabe um novo poema não me venha, um esboço de crônica. Já não se paga tão bem aos que vivem de escrever. Mas como não sei – e não quero – fazer outra coisa, continuo. Um gaitista sola triste, numa mesa próxima à minha. O bar ainda está vazio. Pergunto se é sempre assim, o mesmo atendente explica: “daqui a pouco isso aqui tá lotado, moço. O happy-hour daqui é famoso”. Peço desculpas pela ignorância e o dispenso. Chega um rapaz. Corpo franzino. Senta-se sozinho no balcão. Cumprimenta o barman e pede algo para beber.

Já é noite escura. Dessa mesa, o pouco que vejo é seu corpo minguado atirar para o lado que aponta. Por quê? Que estranha é essa necessidade de se ter alguém? Embebido em promiscuidade e carinhos passageiros. Uma garota se aproxima. Sozinha. Ele oferece uma cadeira. Um copo. Aproxima a boca feia do ouvido. A cena é ridícula. Não pelo que diz. Não escuto. Mas pelo rosto enfadado da moça. E pela diferença quase cômica de altura. Se recostasse um pouco mais, julgaria por miopia que um filho quer a atenção da mãe. E não deixa de sê-lo. Pelo menos assim parece. Um ser pequeno e solitário. Como o são quase todos os que, desprovidos de qualidades físicas, apelam a uma retórica de conquista. Que não funciona, pois não domina.

Troveja alto. Esqueço a cena por um momento, embora com olhos fixos para aquele lado. Peço outra cerveja. Esboço um retrato no guardanapo. Não sei se por cansaço ou falta de interesse. Certo é que congelo a cena e tento expressá-la em traços leves, ruins na verdade. Sou atrapalhado pelo constante balançar do corpinho desesperado. E pelo recostar-se, fugir, da garota. Acuada a um canto que parece único. O que ela ainda faz ali, desconfortável? Não é como andar na chuva – e agora chove fino – em uma rua larga e sem cobertura. Quero levantar-me. Não para o aparte. O que me constrange e agora aflige é que a infeliz não some. Não arreda. Dá esperanças que não existem a um garoto que dela necessita, ao que parece. Queria não estar aqui. Mas não posso lutar contra a vontade de saber o desfecho. Talvez para um dia poder contar a história inteira. Aquele rosto de desprezo. Aquele rosto...

A chuva aumenta, não posso mais sair, ou não quero. Peço algo para comer. Outra cerveja. A luta continua. A moça não muda. O rapaz, esse sim, parece tentar outra coisa. Afasta o corpo. Pede duas bebidas. Bebe rápido. Parece comigo, quando as palavras faltam e vou ariscar-me na embriaguês. “Parece comigo”. É quando isso me vem à cabeça que percebo toda a atração da cena. Vejo-me de fora. Vejo-me naquele eterno sussurrar infrutífero de sempre, de quem não sabe o que faz. Começo a reparar mais na moça, já que do rapaz adivinho todos os atos. A cara de enfado aos poucos se dissipa. Ela começa a falar. Agora é ele quem não reage. Gestos amplos, sorrisos e goles. Dialogam enfim, o clima é ameno. E aquele ímpeto inicial? Onde estará?

A chuva diminui, percebo. Ele pede a conta e paga tudo. Ela não esboça qualquer reação contrária ao gesto, parecia antevê-lo. De repente se levantam. Sorriem, dão-se as mãos e saem, sem nada dizer. Pude ouvir uma risada espontânea já na porta. Com certeza o rapaz pensa que conseguiu, enfim. Mas aquilo me incomoda ainda. O que terá ele dito? Feito? Como foi que se deu? Dirijo-me ao balcão. Chamo o barman que os atendia. Questiono: “conhece aquele dois?”, “sim, casados, vem sempre aqui”, “discutiam?”, “besteiras, coisas do trabalho deles, sempre passam aqui antes de ir pra casa”. E foi como se o meu dia piorasse. A chuva acaba. Reconheço que o problema está em mim. Eu sempre junto à minha solidão. Pago a conta e saio pensando: “sou mesmo um idiota”.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Xeque-Mate

Qualquer tentativa de análise da genialidade é uma pretensão, carregada de pré-intenção. Não que eu não estivesse autorizado a comentar minhas impressões sobre seja qual for o assunto, principalmente aqui. Ocorre, porém, que me faltam palavras, sobretudo ante a morte. Acredito nela como entidade, irônica, jocosa. Não é justo aos homens perder num só dia o pai e o filho. Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni se foram, como mortais se foram, e essa crônica já nasce falecida, pela impunidade das palavras menores. Como disse, não sei falar dos Gênios. Bergman confessou certa vez que "O Sétimo Selo" era sua maneira de interpretar o próprio medo da morte (e ela, talvez pela homenagem, foi generosa e o deixou viver quase 90 anos!), Antonioni, sobre o mesmo argumento, preferiu a arte investigativa ("Blow Up" e "Profissão Repórter", por exemplo) e viveu ainda um pouco mais.

Nada digo além disso, porque não sei, e porque não me é digno. Sinto apenas que nos faltará um pedaço. Sempre nos faltará um pedaço na morte dos ídolos. Que esse discurso não soe passadista. Não acredito que o bom cinema já se foi, seria injusto a Almodovars e Andersons. Mas foi uma parte bonita. Duas na verdade.

Se pudessem, Bergman e Antonioni, decidir a morte numa partida de xadrez, eu torceria para que ela não tivesse fim. Desse modo ganharia a arte, ganharíamos eu e você, ganharia o próprio tabuleiro: o gosto de viver!

sábado, 28 de julho de 2007

Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça...

Quando eu olho para trás e vejo meu passado, lembro das paixões juvenis. A Laura lá na quinta série, as professoras Mariangela e Fabiana na sétima, a Juliana da rua de cima, Julianne Moore, Didi Vagner, tantas antes, outras tantas depois. Platonismo, admiração, desejo, cada uma a sua maneira, todas n'água. Não que eu tivesse qualquer chance com a minha Julianne Moore, talvez nem com a minha Juliana, não saberei. Mas não sou o único, é certo. Paixões juvenis, quem não as teve na vida? Não são apenas para jovens, kakazetes, aluninhas de colégio, pessoas retraídas, garotos na puberdade. Curioso, mas paixão juvenil também é arte. O porquinho-da-índia do Manuel Bandeira, a primeira namorada era o bicho de estimação. A Patrícia Poeta do Veríssimo, crônicas e poemas à garota do tempo. Lembra da música? "É ela menina que vem e que passa, num doce balanço a caminho do mar". Passa... "Garota de Ipanema" é o resultado da paixão juvenil de dois gênios, um hino, em causa própria. Amores desse tipo acometem-nos a vida toda!

Tudo isso para apresentar a você minha mais nova paixão, Jade Barbosa. Isso mesmo, a ginasta. Há tempos não tinha uma paixão platônica, estava ficando desacostumado, achando que tinha perdido essa veia. Mas surgiu Jade, que também já é minha, como Juliana e Julianne. Começou numa tarde destas férias, na minha caça por regozijo patriótico no Pan nosso de cada 4 anos. Zapiando entre as transmissões esportivas, paro no rosto choroso da menina. Pronto. Eu a amo. O ouro do dia seguinte, a desforra contra as americanas, o hino nacional, eu já não via mais nada, apenas esperava minha Jade. Ela parou de aparecer, com o fim das competições de ginástica. E eu, como todo bom apaixonado, fui para a Internet. Fotos, Youtube, Orkuts falsos (e o verdadeiro!) . Tudo para que a chama não se apagasse. Encontrei algo bom para fazer nas férias: amar a Jade. Porque é assim que a gente diz. Amo! Paixão juvenil é sempre com Amor, "eu gosto muito" é outra coisa. E fico feliz pois reencontrei o tipo de Amor que nós perdemos pouco a pouco nos desvios, o puro. Só me resta agradecer a Jade, por estar ali para ser amada, platônicamente amada. E quando vier a próxima, querida Jade, não fique triste, esses amores não morrem, apenas se multiplicam na experiência. "É a coisa mais linda que eu já vi passar...".

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