domingo, 9 de dezembro de 2007

Déjà vu!

Os movimentos cíclicos da mídia visual ficam mais perceptíveis quando o fim de ano se aproxima. O mesmo raciocínio vale até o carnaval. Não parece haver qualquer relação cósmica com a adoção do horário de verão, mas poderia. No período entre novembro e março, a televisão assume postura típica à do jovem contemporâneo que ela ajuda a "emburrecer", ou seja, "copiar e colar". Nesse sentido, fica impossível criticar nossos estudantes que "criam(?)" conhecimento a partir de uma séria de reproduções dos discursos alheios - muitas vezes imprecisos, falhos, incoerentes - encontrados através da internet. Nos produtos televisivos, dá-se algo parecido; os programas de variedades, os esportivos, as telenovelas deflagram um processo de repetição dos mesmo conteúdos, com a diferença de que aqui, cada passo na mimese é pensado nos detalhes, algo que estudantes menos experientes ainda não aprenderam a fazer.

Um exemplo clássico, cansativo pois infame, são as reportagens relativas ao desespero de jovens próximos ao vestibular. Todos os anos consultam-se psicólogos, professores, nutricionistas, que acabam versando sobre os mesmo assuntos: "não estude na véspera", "beba água e coma coisas leves", "procure pensar em coisas positivas". Vou gravar uma reportagem dessas e passar para os meus alunos. Mas a esperança de que eles aprendam algo vai se diluir quando aparecer o primeiro "ponto material que viaja no vácuo com velocidade uniformemente acelerada"!

Também são comuns as discussões acerca do trabalho alternativo, dos contratos trimestrais que as empresas assinam para suprir a maior carga demandada no período de festas. Todo fim de ano descobriremos que o dono da montadora de veículos venderá 30% a mais no natal. Todo ano veremos que ele precisará de 30 novos colaboradores. Todo ano saberemos que o sonho desses colaboradores é ser efetivado no cargo. Todo ano veremos o desemprego subir novamente em janeiro, após uma falso período de economia aquecida - inclusive com ajuda da velhinha que coleciona bonecos de papai noel, ou da costureira que descobriu um jeito bonitinho de fazer árvores de natal com retalhos coloridos, e pode aumentar a renda da família nesse fim de ano!

No entanto, o que mais me incomoda ainda são as reportagens do Globo Esporte sobre os casos-exemplo de superação que disputarão a Corrida de São Silvestre no último dia do ano. Não há valor didático ou informativo em saber que um senhor tentará completar a prova após ter tido quatro derrames (e os 30 anos bebendo e fumando são agora esquecidos). Não há utilidade em descobrir que um ex-catador de lixo agora tem uma condição minimamente mais justa graças ao esporte - porque as oportunidades não são para todos. Não se deve dar a essas pessoas a responsabilidade de exemplificar o brasileiro médio, batalhador, esperançoso. Esse trabalho deveria justamente partir dos donos do poder, eles sim são responsáveis. São os culpados por organizar um mundo sem valores (em que o álcool vira fuga). Culpados por não dar oportunidades dignas para se praticar esporte a todos os cidadãos. Culpados por construir uma sociedade em que catar lixo é um exemplo decadente da dissolução do gênero humano, quando não é corretamente informado e construído.

Dito assim, seria de se supor que o mais correto é repetir as mesmas reportagens, pois não faria diferença nenhuma. Por que não reprisar as mesmas entrevistas citadas acima todos os anos? Afinal, são todas iguais. De fato seria mais honesto. Porém, numa sociedade de consumo deturpada, em que a "massa" já se contaminou, e da qual é praticamente impossível se libertar, as pessoas não ligam em ser enganadas. Querem apenas um mínimo de sensação de conforto, ainda que forjada pelos dominantes como forma de controle. Não ligam em ser enganados, e, caso fossem obrigados a assistir à mesma cena todo fim de ano, talvez até se revoltariam. "Porque eles podem me enganar, doutor! Desde que eu não perceba".

6 Resposta(s):

yusufyusuf disse...

Nice blog...

[SaCoLa] disse...

http://www.cuidardoser.com.br/ganhei-coragem.htm

Ana Amália disse...

primeiro pensei "como ele está nervoso", e depois vi,"está totalmente correto". Mto bom resumo da sensação de fim de ano. Alguém devia te pagar por isso!
E a nossa geração, que está no momento de tentar mudar... não sei nem por onde anda. Deve estar vendo Intercine: Esqueceram de mim II.
Beijos!

Stephanie disse...

Zé,

o grande barato de uma estrutura 'meio solta' e muito visual como a do roteiro é que imaginação das pessoas fica livre pra elas montarem a cena como quiserem.

pode ser que ela estivesse meio acanhada com espelhos. Mas ele também pode ser um narcisista daqueles que quer se ver em ação mais do que trepar.

os caminhos da ficção dependem da visão do diretor, do talento dos atores...

Anônimo disse...

Zé, eu não li seu texto.
é muito grande.

Eduardo Vilar disse...

eu não sei se o problema está na "repetição" em sí, acho que o pior é que são sempre matérias superficiais.

abraços!

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