sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Desvios sanados

Criacionistas diriam que o que nos diferencia dos outros animais são a semelhança e a imagem de Deus impregnadas em nós. Evolucionistas rebateriam atestando que a oposição está ligada à evolução do cérebro humano para o estado de consciência e saber, que suplanta a mera reação instintiva. E estando certos ou errados, há algo mais importante a se discutir. Independendo da teoria adotada, é preciso que se estabeleça as reais medidas dessas diferenças entre humanos e irracionais. Sendo, nós, seres de uma natureza outra (divina ou biológica), seria de se supor que responderíamos de maneiras diversas às constantes exigências mundanas. Se a explicação vale em determinados casos, há outros em que as semelhanças são tantas que é de se duvidar realmente do abismo entre razão e instinto tão costumeiramente considerado.

O psicólogo americano Skinner, embasado em teorias comportamentalistas clássicas, desenvolveu uma frutífera psicologia behaviorista, segundo a qual os humanos, como demais seres vivos, agem a partir de impulsos externos, produzindo uma resposta específica a cada exigência do meio. Disso para as notórias conclusões acerca da psicologia "prêmio & punição" é um passo. Em outras palavras, é natural que os homens ajam de acordo com as necessidades impostas (incluindo-se aqui as vontades do patrão, do professor, dos pais, etc.), sempre que forem presenteados com benefícios específicos nas atitude correta e castigados com a severidade conveniente quando agirem em desacordo com que foi proposto pelos dominantes. Nada muito diferente dos ratos laboratoriais que aprendem a não se coçar após alguns choques e a rebolar em rodinhas para consegui alimento.

Pedagogos, humanistas e psicanalistas consideram um disparate que essa teoria seja ainda aceita na sociedade pós-moderna em que vivemos. Julgam haver um enorme vão entre as atitudes do rato e a do homo-sapiens. Afirmam que é impossível descaracterizar o poder da mente (ou espírito) nas resoluções tomadas pelos indivíduos, e que, aceitando o behaviorismo, estaríamos retrocedendo e desconsiderando a evolução psicológico-social apresentada pela humanidade. No entanto, nem eu, nem qualquer outro freudiano é capaz de ver a mente, fotografar o inconsciente, dialogar com o Ego. Já as ações, essas saltam aos olhos. As contradições teóricas são aceitáveis. Mas "contra fatos, não há argumentos".

Qualquer cidadão que passou por um banco de escola no Brasil, já se deparou com os inúmeros recursos empregados pelos professores para conseguir controlar uma sala de aula. Não há melhor metáfora para o par "prêmio x punição" que os inúmeros "positivos" e "negativos" que preenchem os diários de classe dos mestres. Aliemos a isso outras experiências em sala de aula, como a ameça de ter sua nota diminuída em se persistindo o barulho. É o comportamento, e apenas ele. E as ameaças. Um prisioneiro que não se cala ante os destratos em uma penitenciária é advertido com uma semana em uma cela solitária "para ter tempo de pensar e repensar suas atitudes indevidas". Um operário receia participar de movimentos de greve sobre pena de perder seu cargo para um outro indivíduo mais suscetível aos desmandos do chefe, e aos baixos salários. Etc.

Não se trata aqui de discutir em que medida essas ações bloqueiam apenas as atitudes externas dos indivíduos. Poder-se-ia argumentar que essas ameaças possuem uma carga psicológica muito maior que aquela impressa no organismo. Não duvido. Mas seria, então, o caso de se pensar que os ratos de laboratório possuem também uma enorme carga psicológica para além dos movimentos instintivos! Não se trata disso. Sabe-se, por experiência, que uma vez retirado das gaiolas, e colocados em um ambiente que os prevaleça e em que não haja choques ou rodas, os ratos perdem, num curto espaço de tempo, os condicionamentos a que foram submetidos. Eis a diferença que até aqui não se esclarecia. Nós, os humanos, guardamos na consciência ou na alma (dependendo da filiação teórica) toda e qualquer situação desumana, destituída de moralidade e que, por isso obviamente, nos prejudicou. Uns o fazem para se vingar no momento propício, outros, para que os mesmos "erros" não sejam cometidos, e a dor não retorne. Seja por vingança, seja por medo, nós tendemos a não aceitar bem qualquer providência exterior que teime em nos tratar apenas como animais.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Ilusão (Ato I, Cena II)

Ato I, Cena I.

Entra Ana pela esquerda carregando uma mesa. Coloca-a entre as poltronas e senta-se à direita. Retira da bolsa um pequeno castiçal e o deposita sobre a mesa.

Ana (falando a um garçom imaginário)

Osvaldo, uma cerveja por favor.

Júlio e Sérgio entram pela esquerda. Um carrega a cerveja e os copos e o outro empurra mais uma poltrona. Cumprimentam a garota e sentam-se. Sérgio no meio. Todos comerão uma comida fictícia, pratos vazios.

Ana

Vocês demoraram, eu que é deveria ser a última a chegar. Odeio ficar esperando.

Sérgio

Deixa de frescura. O que são cinco ou dez minutos?

Júlio

A gente pensou em mandar o roteiro pro Fernando Meireles. Será que ele dá uma ajuda?

Ana

Parece uma boa idéia. Quer dizer, não sei... Está pronto? Posso dar uma olhada? (E pegando o texto entregue por Júlio) "Braços Atados"? Mas que nome ridículo! Parece aquelas crises do Almodovar. Não era pra ser uma comédia?

Sérgio (Falando como se estivesse com a boca cheia)

E é... eu também não concordo com esse nome. Preferia algo como "Deu a louca no Professor!" (Limpando a boca). Bom... eu já tô atrasado. Preciso devolver o carro pro meu Pai. (Deixando uma nota sobre a mesa e beijando o rosto de Ana). Tchau, gente. (Para Júlio) Me liga amanhã, cara. Um abraço. (Sai arrastando sua poltrona)

Júlio (Falando baixo, como se contasse um segredo)

Viu aquilo? "Deu a louca no professor"! Você acredita naquele cara? Ele só me dá trabalho. Se eu estivesse sozinho nessa, esse filme já tinha saído?

Ana (Rindo)

Deixa isso pra lá. Você me dá uma carona? Não quero voltar de táxi a essas horas. (Júlio acena com a cabeça enquanto termina de mastigar).

Os dois levantam-se, retiram a mesa do palco com todos os objetos. Viram as poltronas para frente e sentam-se. Júlio à direita, finge dirigir um carro. Volta a música - eles aparentam conversar.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Desfazer-se

O escritor é um ser carnal. Pode haver, é claro, momentos de incrível inspiração, mas é humano. E sendo assim, hora ou outra volta-lhe a necessidade mais que natural de sentir o normal dos homens, sentir-se apenas. O escritor torna-se incapaz de fugir de si mesmo, de sua literariedade, para voltar a ser aquele indivíduo que aporta o mundo com a obrigação única de deixá-lo. E quando assim ocorre, percebe que sua incapacidade está ligada não ao estilo que adotou, mas ao medo do comum, do simples, do apenas. Esse medo, é bom que se diga, torna-o superficial nas conclusões, no falar, no agir, pois adota para si uma postura anti-natural. Sentado em um mesa de bar, discutindo futebol, o escritor desenterra arte, pseudo-arte. É incapaz de argumentar ordinariamente. Está contaminado. Triste escritor que está doente.

Sendo assim, ao ler o que escrevem os seres de carne e osso (melhores portanto, pois têm vida), o escritor se desespera. Serei eu capaz de um pensar fluido assim? É possível escrever ainda como em uma conversa informal de amigos, de familiares, e ainda assim dizer tudo o que deve ser dito? Serei capaz da simplicidade? É provável que não. Pois todas essas minhas indagações, se eu não fosse escritor contaminado, seria resumidas de um modo muito mais belo: "eu queria fazer assim também"! Mas não consigo, ou melhor "a capacidade do singelo me abandonou pelos desvios". Pseudo-literariedade, pseudo-vida. Triste escritor que não vive.

Percebe-se claramente que o que se discute é a dicotomia existente entre "simples" e "literário". O que não parece óbvio é que os seres amam a maneira de dizer do escritor, mas não sabem que o escritor já se cansou, e prefere o comum, pois o comum é a seu modo a mais literária forma de agir, de pensar, de escrever, enfim. Mas só ele não consegue fazê-lo e vai olhar para aquela simplicidade que desenterra de si e dizer que é falsa, não é a simplicidade natural dos homens, aquela que deixa os corações e mentes sadios e nos brinda com o cotidiano de quem vive, vida de verdade, escrita de verdade. Triste escritor que não escreve.

Então, quando não há o que fazer, e o escritor morre por dentro ao ver amigos cada vez mais simples e cada vez melhores, escreve uma crônica que não é simples, pois não sabe ser. Os amigos dirão que ele está louco, que seu estilo é único e libertário. Lúdico! Onírico! Maravilha e arte. E se assim não disserem é porque são simples. Talvez repitam "Muito Bom Escritor" e serão lindos! Só o escritor não é. Porque só consegue ver no que diz as artimanhas que a vida lhe incutiu, os joguetes de beleza falaciosa, de teatro de escrever. O escritor é triste sim. Diz as coisas desdizendo. Triste escritor que não é simples.

Dito de outra forma.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Fausto e seus fantasmas

Voltar para casa de madrugada por aquela rua era sempre um martírio. Mesmo de carro. Um lugar sombrio, desértico. Sempre pensava no pior, Fausto, natureza pessimista. Pensava que algo sempre daria errado. Medo. Como quando viu de longe uma luz que lembrava a de um farol de uma moto, mas muito próxima ao chão, e estática. Sem meios para dar a volta, resolver acelerar, qual nada. Já na terceira marcha percebeu claramente que não se enganara, era de fato uma moto, caída, e um corpo deitado ao lado, movendo-se com lentidão. Pensou em parar, mas o temor de que se tratasse de uma cilada era enorme. Resolveu passar bem devagar, observando todas as sombras, e já preparado para uma arrancada, se necessário fosse. Ao passar ao lado da cena, pôde perceber uma moça, baixa estatura, pois quase toda encoberta pela moto, uma 100 cilindradas de pequeno porte. Os cabelos parecias sujos, constatação óbvia, pois estavam esparramados pelo chão. Nesse momento percebeu que a moça tentava se levantar, sempre olhando fundo na direção de seus olhos. Ainda com o carro em movimento, e com uma coragem injustificável, resolveu tentar contato:
– Tudo bem aí, moça?
– Bem num tá, né?

Diante da voz dolorida, seu medo dissipou-se. Resolveu parar o carro e descer. Não sem antes assegura-se de que havia trancado tudo. Caminhou desconfiado, sem ao menos perceber que vestia apenas um short minúsculo que usava para dormir e uma regata não menos ridícula. Parado a poucos passos da moça, pergunta:
– Consegue dar partida?

– Eu tô bêbada, moço!
A voz e os olhos não negavam. Mas ele estava mais preocupado era em justificar aparência tão cômica:
– Eu fui levar meu irmão à rodoviária. Como você pode ver. Nem trouxe o celular. E...
– Celular eu tenho aqui. Problema não. É que eu moro sozinha. E se eu chamar um táxi, onde vou deixar essa moto? A senhor encosta ela pra mim ali?
Nessa hora, em que ele estava tentando levantar a moto, sentiu-se novamente desprotegido, e o medo voltou. Mal controlava as própria pernas. Tremia tanto que parecia que o bêbado era ele. Não conseguia sequer ativar o "ponto-morto", para poder manobrar. A garota aparentava, pelo jeito de se vestir, ser muito humilde, daquelas que batalham por salário mínimo e chama as colegas de loja de "amigas".
– Para onde você estava indo, moça?
– Pra zona sul, ué.
A resposta fez a pergunta parecer evidente demais. Ela deve ter imaginado que, ao vê-la de perto, com roupas humildes, maquilagem nenhuma, uma motocicleta já velha, qualquer um pudesse supor que ela morava na zona sul. Onde moram os pobres. Parecia, pelo modo como a resposta chegou a seus ouvidos, que ali o preconceito era dela, como se não suportasse a própria condição. De pobre e de bêbada. Passando vergonha às 2 da manhã. Mas sabia a pobre coitada que o envergonhado ali era ele, pelos trajes e pelo tremor que não mais passava.
– Aceita um cigarro?
– Vô aceitá sim.
– O que você vai fazer?
– Vô tentar chegar assim mesmo.
– A moto continua funcionado?
– Sabe que eu não sei. Você pode ver pra mim?
– Claro...
Cada resposta soava desafiadora. Era um covarde, assumidamente medroso. Era notório que se alguém fosse tentar alguma coisa contra ele, já o teria feito. Percebeu que o que incomodava não era a possibilidade de ser assaltado. O que parecia machucá-lo de verdade era ter que confrontar novamente aquela miséria da zona sul. Da qual ele já tinha se livrado há alguns anos, quando conseguiu uma promoção e mudou-se daquele fim de mundo. Era dolorido rever os bêbados, os pobres. Doía sentir medo de assalto, como doía ter que ficar ali prestando ajuda. Esse problema não era dele.
– Bom, moça. Já vou indo. Se cuida, hein. E vê se vai com cuidado, por favor.

– Eu vou sim. Obrigado, e vá com Deus.
– Que ele te guie.
Jogou a bituca no chão, entrou correndo no carro e partiu jurando fazer qualquer que fosse o caminho para não ter que voltar àquela rua.
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Image Hosted by ImageShack.usLerdo passava por uma rua estranha, quando chegava de uma viagem. Só queria descansar confortavelmente em sua garagem. Mas ao ver um rapaz arrastando uma moto com dificuldades e uma moça que parecia sentir bastante dor, parou para oferecer ajuda.Só teve tempo de ouvi-los conversando.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Ensaio sobre a ausência

No minuto em que Mara prometeu a si própria que jamais deixaria aquele banheiro estava selado o destino de todos os povos. Fosse apenas não deixá-lo, os problemas não atingiram tão desmesurada forma, porque seria uma resolução solitária, sem qualquer chance de afetar o cosmos ou sequer a própria familia já acostumada às insólitas decisões da jovem. O que não sabiam os próximos é que a garota resolveu propagandear malfadada atitude. É natural que tenhamos impulsos os humanos, e aqui a silepse confirma apenas minha posição de contador, minha não vivência carnal, ainda que a atitude afete a mim e a meus pares de modo indireto. Nós narradores dependemos quase inteiramente da boa vontade e da busca incessante pela história perfeita que perpassam as mentes autorais, e sem elas nada somos. Contudo, a história é sobre Mara e apenas ela agirá, como fez ao convidar para testemunho integral os jornalistas ordinários, que se aventurassem pelas improprabilidades cotidianas, e que quisessem, de modo a aumentar audiência por vias escusas, atestar o indizível. Indizível sim, tal foi o gesto da garota. E sua idéia tresloucada era que as demais mulheres em idade fértil sentissem como por magia o mesmo impulso pouco ajuizado de não mais entregar-se ao mundo. E o mistério maior é saber que o projeto alcançou dia após dias mais seguidoras, até que não restasse no mundo que se conhece uma só mulher que voluntariamente se entregasse ao ato sublime da procriação. Porque ficou claro pelas regras estabelecidas por Mara, já quase uma nova messias, que ninguém além da própria mulher poderia entrar no banheiro selecionado para o claustro, o que fez com que grávidas desavisadas fosse obrigadas a esperar o parto terminar antes da viagem à solidão. Algumas mais engenhosas criaram inclusive sistemas de ventilação e passagem de alimentos que vedassem qualquer homem mal intencionado de forçar a entrada no desespero do coito há muito cessado. Pronto e feito o destino, em cerca de 100 anos, que é idade já passada para se morrer, toda a humanidade estaria acabada, salvo um ou outro relutante em vias de deixar a vida resistindo ao fim óbvio, que sejam então 120 anos. Era esse o tempo que o homem ainda teria para terminar uma história que até o desvario mariano parecia eternamente interminável, mas não era. E agora, passados mais de 90 deles, eu, seu narrador, apresso-me a deixar esse relato ao limbo, visto que os leitores são já escassos e enxergam mal. Poucos acreditariam-me não fosse a constatação de andar-se à rua e não encontrar alma viva a perambular, restando poucas senhoras ainda em banheiros, que a uma dieta respeitável passam já a marca centenária e teimam em lá permanecer não fazendo a sua e as próximas vidas. O que ainda é pouco sabido, visto que os poucos sabedores já desabitaram esse lado da fábula sem questão de a história transmitir, é que Mara, dias antes de vir a falecer, deixou seu condenável gesto de lado para passar os últimos dias a caminhar pelos quintais de sua própria casa, talvez na tentativa de revigorar os pulmões após anos e anos a respirar o odor muito desagradável de que tem fama os banheiros. Se nunca sobre isso se falou, foi porque a nossa protagonista pediu às poucas testemunhas oculares que guardasse segredo sobre esse último e já mais compreensível gesto. Não queria passar por covarde, ou pessoa sem palavras. E foi assim...
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Image Hosted by ImageShack.usLerdo esteve recentemente em São Paulo carregando materiais para a filmagem de um certo Blindness. Lá conheceu um senhor José que diz ter escrito a história daquele filme. O senhor respirava com dificuldades, mas foi capaz de contar essa história com uma vivacidade incrível.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Novos Projetos!

É isso aí! Ano novo, blog novo. Já está no ar o projeto coletivo "Depósito de Idéias" (do qual faço parte)! Uma reunião de vários blogueiros de regiões diferentes do país, discutindo temas novos a cada dez dias. Para começar, a impressão de cada blogueiro sobre sua própria cidade. Uma maneira de conhecê-los, e começar a se acostumar com suas maneiras de escrever. Não deixe de visitar, clicando AQUI.
PS.: Visitem também os blogs pessoais!
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Já está também no ar meu novo blog (de poesias): Verbo e Rima. Não deixem de visitar. Poemas novos e reutilizados a partir da Comunidade "Toalha de Rosto" do orkut.

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