segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Fausto e seus fantasmas

Voltar para casa de madrugada por aquela rua era sempre um martírio. Mesmo de carro. Um lugar sombrio, desértico. Sempre pensava no pior, Fausto, natureza pessimista. Pensava que algo sempre daria errado. Medo. Como quando viu de longe uma luz que lembrava a de um farol de uma moto, mas muito próxima ao chão, e estática. Sem meios para dar a volta, resolver acelerar, qual nada. Já na terceira marcha percebeu claramente que não se enganara, era de fato uma moto, caída, e um corpo deitado ao lado, movendo-se com lentidão. Pensou em parar, mas o temor de que se tratasse de uma cilada era enorme. Resolveu passar bem devagar, observando todas as sombras, e já preparado para uma arrancada, se necessário fosse. Ao passar ao lado da cena, pôde perceber uma moça, baixa estatura, pois quase toda encoberta pela moto, uma 100 cilindradas de pequeno porte. Os cabelos parecias sujos, constatação óbvia, pois estavam esparramados pelo chão. Nesse momento percebeu que a moça tentava se levantar, sempre olhando fundo na direção de seus olhos. Ainda com o carro em movimento, e com uma coragem injustificável, resolveu tentar contato:
– Tudo bem aí, moça?
– Bem num tá, né?

Diante da voz dolorida, seu medo dissipou-se. Resolveu parar o carro e descer. Não sem antes assegura-se de que havia trancado tudo. Caminhou desconfiado, sem ao menos perceber que vestia apenas um short minúsculo que usava para dormir e uma regata não menos ridícula. Parado a poucos passos da moça, pergunta:
– Consegue dar partida?

– Eu tô bêbada, moço!
A voz e os olhos não negavam. Mas ele estava mais preocupado era em justificar aparência tão cômica:
– Eu fui levar meu irmão à rodoviária. Como você pode ver. Nem trouxe o celular. E...
– Celular eu tenho aqui. Problema não. É que eu moro sozinha. E se eu chamar um táxi, onde vou deixar essa moto? A senhor encosta ela pra mim ali?
Nessa hora, em que ele estava tentando levantar a moto, sentiu-se novamente desprotegido, e o medo voltou. Mal controlava as própria pernas. Tremia tanto que parecia que o bêbado era ele. Não conseguia sequer ativar o "ponto-morto", para poder manobrar. A garota aparentava, pelo jeito de se vestir, ser muito humilde, daquelas que batalham por salário mínimo e chama as colegas de loja de "amigas".
– Para onde você estava indo, moça?
– Pra zona sul, ué.
A resposta fez a pergunta parecer evidente demais. Ela deve ter imaginado que, ao vê-la de perto, com roupas humildes, maquilagem nenhuma, uma motocicleta já velha, qualquer um pudesse supor que ela morava na zona sul. Onde moram os pobres. Parecia, pelo modo como a resposta chegou a seus ouvidos, que ali o preconceito era dela, como se não suportasse a própria condição. De pobre e de bêbada. Passando vergonha às 2 da manhã. Mas sabia a pobre coitada que o envergonhado ali era ele, pelos trajes e pelo tremor que não mais passava.
– Aceita um cigarro?
– Vô aceitá sim.
– O que você vai fazer?
– Vô tentar chegar assim mesmo.
– A moto continua funcionado?
– Sabe que eu não sei. Você pode ver pra mim?
– Claro...
Cada resposta soava desafiadora. Era um covarde, assumidamente medroso. Era notório que se alguém fosse tentar alguma coisa contra ele, já o teria feito. Percebeu que o que incomodava não era a possibilidade de ser assaltado. O que parecia machucá-lo de verdade era ter que confrontar novamente aquela miséria da zona sul. Da qual ele já tinha se livrado há alguns anos, quando conseguiu uma promoção e mudou-se daquele fim de mundo. Era dolorido rever os bêbados, os pobres. Doía sentir medo de assalto, como doía ter que ficar ali prestando ajuda. Esse problema não era dele.
– Bom, moça. Já vou indo. Se cuida, hein. E vê se vai com cuidado, por favor.

– Eu vou sim. Obrigado, e vá com Deus.
– Que ele te guie.
Jogou a bituca no chão, entrou correndo no carro e partiu jurando fazer qualquer que fosse o caminho para não ter que voltar àquela rua.
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Image Hosted by ImageShack.usLerdo passava por uma rua estranha, quando chegava de uma viagem. Só queria descansar confortavelmente em sua garagem. Mas ao ver um rapaz arrastando uma moto com dificuldades e uma moça que parecia sentir bastante dor, parou para oferecer ajuda.Só teve tempo de ouvi-los conversando.

6 Resposta(s):

. esbella . disse...

ricos também ficam bêbados

.-.

. esbella . disse...

(isso é a Dayane com outra conta)

Anônimo disse...

ôooo vaidade...

Bia disse...

É uma atitude tão rara ajudar a quem não se conhece que acho que somente lembranças de sí mesmo ao ver a mulher caída, bêbada e sem ajuda, o fizeram parar...
É aquela coisa: só quem já sentiu na pele, sabe como é!

Anônimo disse...

Quantos problemas por aí não seriam resolvidos se não houvesse medo de ajudar ou de ser ajudado...

Boa história, Zé.

Ana Amália disse...

amei a conclusão.
um beijo

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