
– Tudo bem aí, moça?
– Bem num tá, né?
Diante da voz dolorida, seu medo dissipou-se. Resolveu parar o carro e descer. Não sem antes assegura-se de que havia trancado tudo. Caminhou desconfiado, sem ao menos perceber que vestia apenas um short minúsculo que usava para dormir e uma regata não menos ridícula. Parado a poucos passos da moça, pergunta:
– Consegue dar partida?
– Eu tô bêbada, moço!
A voz e os olhos não negavam. Mas ele estava mais preocupado era em justificar aparência tão cômica:
– Eu fui levar meu irmão à rodoviária. Como você pode ver. Nem trouxe o celular. E...
– Celular eu tenho aqui. Problema não. É que eu moro sozinha. E se eu chamar um táxi, onde vou deixar essa moto? A senhor encosta ela pra mim ali?
Nessa hora, em que ele estava tentando levantar a moto, sentiu-se novamente desprotegido, e o medo voltou. Mal controlava as própria pernas. Tremia tanto que parecia que o bêbado era ele. Não conseguia sequer ativar o "ponto-morto", para poder manobrar. A garota aparentava, pelo jeito de se vestir, ser muito humilde, daquelas que batalham por salário mínimo e chama as colegas de loja de "amigas".
– Para onde você estava indo, moça?
– Pra zona sul, ué.
A resposta fez a pergunta parecer evidente demais. Ela deve ter imaginado que, ao vê-la de perto, com roupas humildes, maquilagem nenhuma, uma motocicleta já velha, qualquer um pudesse supor que ela morava na zona sul. Onde moram os pobres. Parecia, pelo modo como a resposta chegou a seus ouvidos, que ali o preconceito era dela, como se não suportasse a própria condição. De pobre e de bêbada. Passando vergonha às 2 da manhã. Mas sabia a pobre coitada que o envergonhado ali era ele, pelos trajes e pelo tremor que não mais passava.
– Aceita um cigarro?
– Vô aceitá sim.
– O que você vai fazer?
– Vô tentar chegar assim mesmo.
– A moto continua funcionado?
– Sabe que eu não sei. Você pode ver pra mim?
– Claro...
Cada resposta soava desafiadora. Era um covarde, assumidamente medroso. Era notório que se alguém fosse tentar alguma coisa contra ele, já o teria feito. Percebeu que o que incomodava não era a possibilidade de ser assaltado. O que parecia machucá-lo de verdade era ter que confrontar novamente aquela miséria da zona sul. Da qual ele já tinha se livrado há alguns anos, quando conseguiu uma promoção e mudou-se daquele fim de mundo. Era dolorido rever os bêbados, os pobres. Doía sentir medo de assalto, como doía ter que ficar ali prestando ajuda. Esse problema não era dele.
– Bom, moça. Já vou indo. Se cuida, hein. E vê se vai com cuidado, por favor.
– Eu vou sim. Obrigado, e vá com Deus.
– Que ele te guie.
Jogou a bituca no chão, entrou correndo no carro e partiu jurando fazer qualquer que fosse o caminho para não ter que voltar àquela rua.
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6 Resposta(s):
ricos também ficam bêbados
.-.
(isso é a Dayane com outra conta)
ôooo vaidade...
É uma atitude tão rara ajudar a quem não se conhece que acho que somente lembranças de sí mesmo ao ver a mulher caída, bêbada e sem ajuda, o fizeram parar...
É aquela coisa: só quem já sentiu na pele, sabe como é!
Quantos problemas por aí não seriam resolvidos se não houvesse medo de ajudar ou de ser ajudado...
Boa história, Zé.
amei a conclusão.
um beijo
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