
Cada nova exigência de concentração é um passo rumo à completa incapacidade em se concentrar. Cultura de massa, modismo, semi - formação, resumos de Internet, macetes, edições comentadas e manuais de funcionamento. A crise do indivíduo é social, antinomia natural. Vive-se o tempo da contradição. O indivíduo não se concentra, o "público distraído" nunca tão distraído. A arte, por muitos julgada emancipadora, desfaz-se em duas, não melhores uma em relação à outra, diferentes na forma, idênticas nos problemas que apresentam. E criam, para que as consumamos, dois grupos de "apreciadores" (leia-se: receptores passivos) também diferentes. São dois os caminhos da arte, que a tornam a ausência de si mesma.
O Primeiro, mais comum, todos conhecemos e insistimos que ("ai se fosse o meu!") não é digno de ser considerado caminho artístico. E o é. O que Beyoncé, Michael Bay, J. K. Rowling, tem em comum? Todos acreditam estar criando arte, de fato. A música, o cinema, a literatura, reproduzem hoje, ainda que veladamente, ideais de consumo e controle que esses artistas assumiram como verdade. O fazem sem medo, não duvidam da própria inteligencia, mas da do público "consumidor". O que podemos fazer? Coisa alguma. Melhor uma criança que lê Harry Potter do que uma que nada lê. Queria eu que todos os adolescentes do planeta tivessem o prazer de assistir a Transformers num sábado à noite, quando sei que a grande maioria perde-se em maneiras de matar a própria fome.
O Segundo, virtuoso do mundo alternativo, se auto-intitula superior. Discorre sobre sexo, drogas, triângulo amoroso, pobreza, magia e violência (mas os outros também!), a temática do vencido ou a do vencedor? Tanto faz, como tanto fez! O Segundo propõe a crítica que o mundo do consumo aprendeu a se auto propor ("se você não faz escolhas óbvias, deve dirigir o mesmo carro de 50 mil reais que eu" é o mesmo que "todo mundo aqui nesse cinema é idiota, inclusive você"). Morrissey não é melhor que Beyoncé, Paul Thomas Anderson não é melhor que Michael Bay, Ferreira Gullar não é melhor que J. K. Rowling. E não são melhores porque, ao fazer a crítica, tornam-se herméticos demais para insurgirem emancipadores, restringem-se a um público que deles não necessita, ao menos como pedagogia. Em outras palavras, arte emancipadora é arte de elite intelectual, elite intelectual é emancipada por vias outras (questionamento filosófico, leituras políticas, engajamento, influência familiar, sorte, etc.). Quanto mais queijo menos queijo! Não bastasse isso, explodem cópias dessa pretensa arte melhor. Cópias que se produzem aos moldes da industria descrita no parágrafo anterior. Hype, Hype and Hype.
Não estou, como parece, defendendo a banalização, simplesmente porque duvido de sua existência. A arte é a mesma sempre. A única arte emancipadora e transcendental foi a pintura que aquele primeiro homem, consciente de seu dever de educador, fez da própria caçada, e ensinou seus filhos. O mesmo homem que soprando um pau oco fez música e descobriu que ela atrairia, por semelhança de sons, algumas aves que serviriam de alimento à família. De lá para cá, a arte é consumo. A Capela Sistina foi financiada pela Igreja Católica corrupta, a alta sociedade germânica pagou por cada nota de Mozart, Machado de Assis ficou rico escrevendo. O que eu critico é o ímpeto com que certas pessoas, sob o manto da superioridade, criticam aqueles que perceberam que no fundo, a arte nunca foi outra coisa senão uma maneira mais saudável de repor as forças, após um dia estafante de trabalho.
De minha parte continuarei a ler Gullar, assistir a Anderson e ouvir Morrissey. Não que eu negue completamente a turma do primeiro grupo, eles também são legais, mas eu me acostumei, de ser intelectualóide chato, àqueles que antes eu imaginava serem a única forma de arte possível. Hoje eu mudei, minha aproximação com arte não! Sem qualquer relação com qualidade, porque isso pouco importa. Questão de gosto... só de gosto... Sejam felizes.