
Estive a considerar essa história. Risquei-lhe os traços cômicos, amigo. Para a tragédia as pessoas dão o devido valor. Não poderia minha história ser tachada brincadeira. Conto-lhe ainda comovido. Mas não me atrevo a interpretá-la. O que eu queria afinal com aquela encenação? Sabia de antemão o resultado, um grito de longe que já de há muito nem sequer arrepiava meu coraçãozinho. No entanto, eu martelava a mesma farsa dia após dia. Em vão. Tinha cinco, ou seis anos apenas. Incrível como o tempo demora a passar quando ele nos erra! E eu estou aqui: Doutor César Augusto, quem diria? Toda a minha juventude a mesma mentira. Respostas não tenho, não vale a pena.
Meu pai morreu há dois anos. Teve, ao menos, tempo para conhecer meu filho. Meu filho. Esse não sofrerá como eu. Não é justo. Quando se aprende a levantar, é preciso ajudar outros caídos. Sei que sim. Se eu puder, meu filho jamais cairá, não naquela intriga, naquela falácia, aquela euforia emprestada que eu me esforcei para chamar de infância feliz. Olha, talvez você jamais entenda isso, esse seu coração... O meu carecia de um "bater" que não era dele. Por isso sinto falta daquela rua, lá tive verdadeiros amigos, que, sem saber o porquê, tentavam dar-me vida. Como eu gostaria que esse seu coração pudesse bater forte como o motor daquela moto que eu esperava aflito, mas está você aí... Se tudo der certo, prometo visitar você, levarei meu filho, jogaremos bola e teremos vida. Mas me dê licença agora, que meu celular está tocando. Veja só, é minha esposa. Ela deve estar preocupada, afinal, estou a mais de trinta horas aqui nesse hospital. Vou chamar a enfermeira para te acompanhar.
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4 Resposta(s):
Esse texto não vale.. É como apertar o coração com as duas mãos.
Além de ter sido escrito de forma tão bonita, já suficiente pra se emocionar, fala de coisa que nunca 'tive'... Pai. É pra chorar litros e litros...
Beijo!!!
só não gostei muito da parte da "encenação", por motivos pessoais.
um dia, quem sabe...
lindo, o texto.
talvez tenha sido, mesmo, mau-humor.
da parte daqui, é só amor.
see?
seja bem vindo à Prateleira também, amigo de projeto :)
Muito bom seu escrito Zé, não podia esperar menos.
Só quem sentiu a ausência do cheiro dos pais na infância pode entender. Os meus estão fisicamente entre nós (e gostam muito de você!), mas digamos que a vida acadêmica também não permite a presença no futebol da criança. E olha que eu jogava como um muleque!
Um beijo.
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